TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL referida à privação de um direito com conteúdo patrimonial. É a exclusão deste elemento, implicitamente decorrente do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, que se encontra no âmago da questão de constitucio- nalidade colocada no presente recurso. Aliás, esta natureza da abolição/extinção legal da enfiteuse em 1976, num quadro referencial expropria- tório, foi certeiramente observada por Claudio Monteiro: “[…] Mais do que uma remição, até, o que os diplomas de extinção da enfiteuse determinaram foi a expropriação legal do domínio direto a favor do enfiteuta e do subenfiteuta. O regime da remição do foro servia apenas como parâmetro de cálculo da indemnização, nos casos em que ela era devida – cfr. artigo 1.º/1 e 2 do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, para a enfiteuse de prédios rústicos […]. […]” ( O Domínio da Cidade, Lisboa, 2013, p. 405, nota 970).         2.6. Referimos antes (cfr. item 2.4., supra ), a propósito da apreciação do precedente consubstanciado no Acórdão n.º 786/14, respeitante a uma questão em tudo idêntica à presente, a configuração de duas vias decisórias emergentes da discussão nesse contexto travada, ponderando a posição que aí fez vencimento e a alternativa configurada pelo voto de vencido. É tempo de retomar a questão. Está aqui em causa, simplificando algo as coisas, optar entre a formulação de um juízo de desconformi- dade constitucional conjunto ou diferenciado. No primeiro, agrega-se implicitamente a dimensão normativa correspondente ao funcionamento, no seio do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, da extinção do domínio direto, com a dimensão correspondente à ausência de indemnização associada a esse efeito. Diversamente, na formulação diferenciada, dissociam-se as duas dimensões normativas, separando a questão da constituição da enfiteuse por usucapião (o que esteja em causa no artigo 1.º, n. os 5 e 6, do Decreto-Lei n.º 195-A/76) das questões da extinção da enfiteuse e da falta de indemnização relativa a essa extinção (artigos 1.º, n.º 1, e 2.º do mesmo Diploma). Corresponde o primeiro entendimento à via adotada no pronunciamento decisório do Acórdão n.º 786/14; corresponde a dissociação decisória à crítica corpori- zada no voto de vencido aposto a esse Acórdão. Esclarece-se, desde já, que a opção aqui seguida corresponderá à segunda alternativa, afigurando-nos constituir esta a via mais consentânea com o mecanismo determinado pelo Decreto-Lei n.º 195-A/76. Desde logo, porquanto o reconhecimento do direito por usucapião constituiu uma incidência claramente indivi- dualizável nesse quadro, necessariamente distinguível da questão da consolidação da propriedade sem direito a indemnização. São as razões desta opção que importa esclarecer, conectando o que acima se disse quanto à evolução histórica da figura da enfiteuse no Direito português, que culminou, no período que antecedeu a sua abolição, no que poderemos considerar uma articulação identitária entre o próprio instituto e o seu elemento liquidatário: o direito de remição. E foi o aprofundamento radical deste elemento que se veio a corporizar na edição do Decreto-Lei n.º 195-A/76, num quadro em que se pretendeu atuar sobre a estrutura fundiária, facultando o acesso do agricultor à propriedade – à propriedade tout court – da terra. 2.6.1. Ora, encarando a via decisória decorrente do Acórdão n.º 786/14, observamos a já mencionada agregação, no quadro geral da extinção da enfiteuse, de efeitos que, por serem inquestionavelmente distintos, assumem natureza e incidência diversas. Assim, ponderando – e corresponde ao caso concreto – a integração da facti species do Decreto-Lei n.º 195-A/76 correspondente à consideração da constituição de uma situação de enfiteuse, por usucapião, com a concomitante extinção desta através da transferência do domínio direto para o titular do domínio útil, observamos o desencadear autónomo de três efeitos: (i) Um efeito real, traduzido no reconhecimento, no momento atual, de uma relação enfiteutica cons- tituída por usucapião, por referência à data da abolição desta figura (16 de março de 1976). Ou seja, o reconhecimento dá-se no momento atual, mas o momento de referência para aferir dos

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