TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
548 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Posteriormente, já nos Anos 40 do século passado, na fase inicial dos trabalhos preparatórios do novo Código Civil (do que viria a ser o Código de 1966), Vaz Serra, o Presidente da Comissão de Revisão, numa resenha das opções iniciais quanto ao futuro Código, referiu o seguinte quanto à enfiteuse: “[…] r) Deverão manter-se a enfiteuse e algumas outras propriedades imperfeitas do Código atual? – Resolveu-se manter a enfiteuse por se reconhecerem as vantagens que ainda hoje pode ter sem o inconveniente da per- petuidade, dada a possibilidade de remição […]. […]” (“A Revisão Geral do Código Civil. Alguns Factos e Comentários”, no Boletim do Ministério da Justiça , n.º 2, setembro, 1947, p. 38). O anteprojeto do Código na parte relativa à enfiteuse, da autoria de Pires de Lima, viria a ser publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 66 (maio, 1957), tecendo o autor as considerações seguintes quanto à previsão do direito do enfiteuta a remir o foro: “[…] A faculdade atribuída ao enfiteuta de pôr termo às servidões existentes tem sido posta em dúvida pelos autores. Creio que, admitindo-a, sigo a melhor orientação. O foreiro deve, em princípio, poder agir em relação ao prédio como um proprietário pleno, e remitir uma servidão ativa pode mesmo ser um ato justificável e de boa administra- ção. Tudo depende das condições e das razões por que o ato se pratica. […] Decorridos vinte anos sobre a constituição do prazo, já ele deve ter realizado a sua finalidade económica e social, e só resta uma propriedade parcelada, sem vantagens de nenhuma ordem, a que deve poder pôr-se termo. Um dos meios, o mais eficiente, é, precisamente o da remição coativa. […]” (pp. 21 e 31). Foi neste quadro, como decorrência da opção de base de manter a enfiteuse, que se forjou a parte correspondente do Código Civil de 1966 (os artigos 1491.º a 1523.º, cfr. item 2.2.2. supra ), prevendo-se a perpetuidade como característica imprescindível da figura (já que a estipulação do emprazamento por tempo limitado afastava, nos termos do artigo 1492.º, n.º 2, o regime da enfiteuse, independentemente da qualificação dada à situação), embora essa perpetuidade – e foi essa a vontade inequívoca do legislador – nos aparecesse mitigada, poderíamos até dizer neutralizada, pela existência de um direito potestativo de remição do foro por parte do enfiteuta [cfr. artigos 1492.º, n.º 1, 1501.º, alínea f ) , 1511.º e 1512.º]. Daí que, na Doutrina, se tenha continuado a descrever a faculdade de remição, atribuída ao titular do domínio útil, como situação de natureza expropriativa, guiada por uma teleologia específica: “[…] O direito de remição é uma modalidade de expropriação por utilidade particular, pela qual se beneficia um titular dum direito em conflito em relação a outro. […]” (José de Oliveira Ascensão, Direitos Reais , cit., p. 492, itálico acrescentado). A dissociação de dois domínios alocados a sujeitos distintos, no quadro de um mesmo direito (com as características do direito de propriedade), acaba por ter latente uma espécie de “conflito” de posições (aqui sinónimo de sobreposição de direitos) sobre o mesmo objeto, configurando uma situação que, na sua essência, postula uma “regra de solução”. Note-se que a situação não tem paralelo no arrendamento, onde as posições de cada um se definem através de direitos diferentes, sem a ambiguidade relacional com a proprie- dade que constitui essência da enfiteuse. Assim, nesta última, a existência de um direito de remição adquire uma funcionalidade própria, sinalizando, em última análise, o interesse que deve prevalecer, estando fixadas,
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