TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

547 acórdão n.º 819/17 […] Assim se criou [pela emphyteusis ] um movimento tendencial de reduzir os locatários [ tenants ] à condição de coloni : pessoas ‘presas’ ao solo [ persons bound to the soil ], é verdade, mas de alguma forma protegidas dos senhores pela prévia determinação da renda e das prestações que estes lhes podiam exigir [ which might be exacted of them ]. […]” (p. 430). Esta visão do foro – da origem histórica da enfiteuse – com um sentido “garantístico”, historicamente situado – é esta a tese de Gaillard Thomas –, apareceu-nos como que replicada, na sua essência significa- tiva, muitos séculos mais tarde, através da atribuição ao enfiteuta do direito potestativo de remição do foro, enquanto faculdade de adquirir o direito de propriedade ( rectius , de extinguir a enfiteuse, libertando o con- dicionamento da propriedade decorrente da interposição do senhorio) através do pagamento de um valor, também ele previamente fixado (cfr. artigos 1510.º e 1511.º), cuja natureza correspondia a uma compensa- ção ( forfaitaire ) pela privação do direito do senhorio consubstanciado no domínio direto. 2.5.2. É assim que observamos, frequentemente, a caracterização da remição do foro como correspon- dendo a uma realidade juridicamente aparentada, na sua essência, a um ato expropriativo, diretamente diri- gido à utilidade de um particular, mas mediatamente orientado, em última análise, à obtenção de externali- dades assumidas como virtuosas, num quadro de opções de política social e de racionalização do uso do solo, acabando com a interposição, relativamente ao agricultor, de um “intermediário” sem grande significado no processo produtivo. Daí que, referindo-se à remição do foro, observasse, em 1934, Cunha Gonçalves (anotando a previsão correspondente do Código de Seabra, constante do artigo 1654.º, § 1.º, na redação introduzida em 1930: “[o] enfiteuta ou subenfiteuta de emprazamento ou subemprazamento, que tiverem mais de 20 anos de duração, podem remir o respetivo encargo nas seguintes bases: […]”): “[…] A mais frequente e importante das causas da extinção da enfiteuse é a remição (e não remissão) do foro pelo enfiteuta, ato que tem sido exatamente classificado como expropriação forçada do domínio direto a favor do enfiteuta, justificada pelo interesse geral de consolidar a propriedade. O direito antigo só admitia este meio de extinguir a enfiteuse quando o contrato fosse feito com pacto de remir. Os nossos praxistas, porém, deram pouca importância a esta questão; e nunca reclamaram que a remição coativa fosse estabelecida por lei, certamente porque a grande maioria dos nossos prazos eram de duração temporária, ou por três vidas, no fim das quais revertiam ao senhorio. Não se criara, ainda, na consciência pública, a forte corrente favorável aos enfiteutas, nascida com o regime liberal e traduzida em parte no Decreto de 13 de agosto de 1832 e nas Leis de 22 de junho de 1846 e 4 de abril de 1861, corrente que levou o legislador a declarar perpétuos todos os emprazamentos, quer de pretérito, quer futuros. Mas, decretada esta perpetuidade, mais sensíveis se tornaram o embaraço que o domínio direto constitui para a circulação das terras e a relativa injustiça que representam os direitos de laudémio, opção, devolução, encampação, etc. em benefício dos senhorios, que não valorizaram a terra e, na maioria dos casos, a receberam por doações dos soberanos, doações devidas a favoritismos ou a outras causas de extinta eficácia. É sob pressão destas circunstâncias e da doutrina geral da libertação da terra que o Decreto de 30 de setembro de 1892, timidamente, autorizara a remição do fôro durante os dez anos subsequentes à sua publicação, decreto que foi, logo. Revogado pelo Decreto n.º 11 de 10 de janeiro de 1895 […]. Proclamada a República, o Decreto de 23 de maio de 1911 decretou a remição coativa do foro a favor dos enfiteutas e dos subenfiteutas, estabelecendo as respetivas condições, que, depois de terem passado por diversas alterações, parece terem sido fixadas pelo Decreto n.º 19 126 [de 16 de dezembro de 1930].   […]” ( Tratado de Direito Civil, vol. IX, Coimbra, 1934, pp. 270/271, itálico acrescentado).

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