TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
545 acórdão n.º 819/17 dar origem a novas relações enfitêuticas, mas sim para lhes pôr termo, com a consolidação da propriedade plena na esfera jurídica do titular do domínio útil, tal como sucedeu com as relações de enfiteuse tituladas e registadas. Por estas razões teria julgado não inconstitucional a norma extraída dos n.º 4 e 5 do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação das Leis n. os 22/87, de 24 de junho (o n.º 4), e 108/97, de 16 de setembro (o n.º 5), segundo a qual é possível reconhecer neste momento a constituição de um direito de enfiteuse por usucapião, o que determinaria a reforma da decisão recorrida na parte em que absolveu a ré do pedido de reconhecimento da constituição a favor dos autores do domínio útil da enfiteuse sobre determinadas parcelas de terreno. […]” (itálicos acrescentados). 2.4. Da extensa, todavia necessária, transcrição que antecede, relativa à fundamentação do Acórdão n.º 786/14 e respetivo voto discrepante, resultam definidos dois caminhos quanto ao enquadramento jurídico- -constitucional da questão a apreciar nos presentes autos: (i) um deles (o que foi adotado nesse Acórdão e, na sua essência, replicado na decisão do Supremo Tribunal de Justiça aqui recorrida) passa por um tratamento uni- tário (ou unificado) da norma cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida com fundamento na sua incons- titucionalidade; (ii) o outro caminho (que subjaz à declaração de voto) passa pelo desmembramento em duas normas autónomas, sobre as quais recairão juízos diferenciados quanto à inconstitucionalidade. À afirmação genérica, contida no dispositivo do Acórdão n.º 786/14, de uma desconformidade constitucional que abrange, agregado, todo o suporte normativo da extinção da enfiteuse (pela coincidência dos dois domínios no enfiteuta) e o suporte do qual resulta a não atribuição de indemnização ao senhorio em função dessa extinção, contrapõe o voto discrepante a separação, em duas asserções decisórias de sentido oposto, da extinção (da verificação da facti species desta num quadro em que a enfiteuse se constituiu por usucapião) e da não previsão genérica de indemnização. São estas duas alternativas que entendemos subsistirem na apreciação das incidências constitucionais da abolição da enfiteuse. Adiante retomaremos esta distinção, explorando as duas vias decisórias que tal forma de colocar o problema configura. 2.5. Por ora, importa esclarecer alguns aspetos atinentes ao regime da enfiteuse, cuja ponderação nos fornece o exato contexto significativo da abolição desta em 1976, decretada – é significativo lembrar este facto – por um Legislador que só por um curto lapso de tempo poderemos qualificar de pré-constitucional, no sentido em que se antecipou, com a edição do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, tão-somente duas semanas à aprovação final, em 2 de abril, do texto da Constituição, contendo a versão inicial do artigo 101.º, n.º 2: “[s]erão extintos os regimes do aforamento e colonia […]”. Aliás, é em função da expressividade deste dado que João Cura Mariano, numa asserção que é intuitiva, atribui ao Legislador do VI Governo Provisório, ao publicar o Decreto-Lei n.º 195-A/76, uma intencionalidade derivada do conhecimento dos trabalhos preparatórios da Assembleia Constituinte relativos à projetada extinção da enfiteuse/aforamento (cfr. “As Últimas Enfiteuses”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos, Vol. II, Coimbra, 2016, pp. 363/364). Embora a afirmação que se segue contenha um aparente paradoxo, olhando à “fita do tempo”, tratou-se, com a edição do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, em termos prá- ticos, de “dar cumprimento” a uma injunção comportamental futura, numa espécie de antevisão do que, efetivamente, só viria a ser formalmente determinado ao Legislador duas semanas depois de 16 de março. A questão que subsiste, neste atribulado processo de liquidação das “últimas enfiteuses” (estamos mais de 40 anos depois da extinção do instituto), prende-se com a forma como essa injunção de extinguir a enfi- teuse foi (fora…) “cumprida”, por antecipação, pelo Legislador ordinário, no sentido em que este omitiu, ao realizá-la, qualquer tipo de compensação ao senhorio, fora do caso excecional previsto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76. Deste caráter excecional intuímos ter correspondido à regra estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 195-A/76 a não indemnização. Verdade seja dita, que o maior dos senhorios enfitêutico de prédios rústicos, ao tempo da extinção – basta ter presente o texto preambular do Decreto-Lei n.º 195- A/76, acima transcrito no item 2.2.1. –, seria o próprio Estado, detentor de cerca de 400 000 domínios
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