TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

541 acórdão n.º 819/17 expressão de J. J. Gomes Canotilho e Abílio Vassalo Abreu, a normação questionada “transporta no seu bojo um ‘confisco’ ou, se se preferir, uma ‘expropriação sem indemnização’ para fins particulares, infringindo o âmbito de proteção do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição da República. 13. Concluindo-se pela prolação de julgamento de inconstitucionalidade por infração da garantia constitucio- nal específica do direito de propriedade constante do n.º 2 do artigo 62.º da Constitucional, não se justifica prosse- guir com a apreciação da normação desaplicada face aos princípios estruturantes também considerados infringidos na decisão recorrida. […]” (itálicos acrescentados). Com esta base argumentativa, foi proferida a seguinte decisão: “[…] a) Julgar inconstitucional as normas constantes das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, na medida em que aí se estabelece um regime de constituição de enfiteuse por usucapião, o qual, conjugado com o regime de consolidação dos domínios útil e direto decorrente da abolição da figura, opera a translação da propriedade plena, sem atribuição, em termos gerais, de indemnização; […]”. Neste Acórdão n.º 786/14 desenhou-se, todavia, um tratamento jurídico-constitucional diferente – embora não inteiramente diferente – daquele sobre o qual se formou maioria na 2.ª Secção do Tribunal. Com efeito, pode ler-se, em declaração de voto aposta à referida decisão pelo Conselheiro João Cura Mariano, uma visão alternativa do problema, que se refletiria numa decisão parcialmente distinta da acima transcrita: “[…] [Após transcrição da decisão recorrida:] Estes dois juízos de inconstitucionalidade não se reduzem a dois argumentos diferentes para a inconstitucio- nalidade da mesma norma, como faz crer a fórmula enunciada na parte decisória do Acórdão recorrido e que o Tribunal Constitucional indevidamente aceitou. Estamos perante dois juízos de inconstitucionalidade que incidem sobre normas distintas, dotadas de autono- mia e com alcance diferente, apesar do nexo de instrumentalidade que as une. Na verdade, a decisão recorrida enquanto, por um lado, considera inconstitucional que a abolição da enfiteuse sobre os prédios rústicos se faça através da transferência do domínio direto para o titular do domínio útil, sem que se atribua, em termos gerais, ao titular do domínio direto, um direito de indemnização por essa transmissão for- çada, resultando essa solução da conjugação do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, e 2.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, por outro lado, também censura que o direito de enfiteuse possa ser constituído retroactivamente por usucapião, conforme admitem os n.º 4 e 5 do mesmo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação das Leis n.º 22/87, de 24 de junho (o n.º 4), e 108/97, de 16 de setembro (o n.º 5). É certo que o reconhecimento da aquisição do direito ao domínio útil por usucapião determina o acesso auto- mático ao direito de propriedade sobre todo o prédio, pela transmissão do domínio direto para o titular do domí- nio útil, mas não deixa de se tratar de duas operações jurídicas autónomas, apesar da segunda ter como pressuposto a verificação da primeira, sendo cada uma delas permitida por normas distintas. Por isso, a improcedência dos dois pedidos formulados na ação (o do reconhecimento da aquisição por usu- capião do domínio útil e o da aquisição do direito de propriedade), com fundamento em inconstitucionalidade normativa, exigia a adoção de dois juízos distintos que aliás constam da fundamentação do Acórdão recorrido, mas que não foram autonomizados na fórmula utilizada na parte decisória.

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