TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
535 acórdão n.º 819/17 nele precipitado e em que necessariamente se inscrevem, já na vigência de norma constitucional que proibia o regime de enfiteuse, as modificações aqui em questão, operadas em 1997. O regime constitutivo trazido pelas normas das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, introduzidas pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro, carece, assim, de ser compreendido como meio de atuação do efeito aquisitivo estipulado no n.º 1 do mesmo preceito – com o correlativo sacrifício do anterior titular do direito de propriedade – tomando o esquema enfitêutico unicamente como ponto de passagem para a propriedade plena. Ora, conforme referido, o direito de propriedade é garantido ‘nos termos da Constituição’, o que significa que, neste domínio, na formulação do Acórdão n.º 496/08, ‘a liberdade de conformação legislativa se encontra particularmente vinculada ao cumprimento de certos limites constitucionais: o poder legislativo está obrigado pela CRP a «conformar» a «propriedade», mas só o pode fazer nos «termos» por ela mesma definidos, ou seja, tendo em linha de conta o sistema constitucional no seu conjunto’. E, como se salientou: ‘[s]ervindo a fórmula (‘nos termos da Constituição’) de invólucro de todos os parâmetros constitucionais integrativamente convocáveis na modelação do conteúdo e na definição dos limites, por lei, do direito de propriedade objeto da tutela constitucional, é mani- festo que nela estão contidos, de forma saliente, os princípios e as opções de valor ‘cunhados’ finalisticamente pela consecução do projeto económico, social e político da Constituição’ (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, ‘O direito de propriedade na jurisprudência do Tribunal Constitucional’, Relatório apresentado à Conferência Trilateral Espanha/ Itália/Portugal, em outubro de 2009, p. 26, disponível no mesmo sítio da internet ). Assim, o Tribunal tem entendido que a Lei Fundamental consente, para além da privação por expropriação ou requisição, expressamente previstas no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, ou outras impostas por razões de interesse público, limitações ou restrições mais ou menos profundas ao direito de propriedade, incluindo restrições resultantes de soluções dadas a conflitos de direitos, no domínio de relações jurídico privadas, com sacrifício total de uma das posições em confronto; decisivo é que tais restrições encontrem cobertura ou justificação constitucional (cfr. Acórdão n.º 491/02). Na dimensão em análise, o titular do direito de propriedade apenas goza de forma absoluta da garantia constitu- cional de não ser arbitrariamente privado dela e de ser indemnizado no caso de desapropriação (assim, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , nota X ao artigo 62.º, p. 805; Acórdão n.º 215/00). 9. A admissibilidade de limitações à garantia do direito de propriedade foi versada em abundante jurisprudên- cia deste Tribunal, da qual se destaca, pela proximidade com a questão em apreço, a proferida sobre a extinção da colonia e o direito de remição coativa do colono-rendeiro. Com uma primeira expressão ainda na Comissão Constitucional (Parecer n.º 32/92, em Pareceres da Comissão Constitucional, 21.º vol., pp. 62 e seguintes) e, posteriormente, com o Acórdão n.º 1/84, seguido pelos Acórdãos n. os 14/84, 404/87, 161/90 e 204/90, foi julgada constitucionalmente admissível a privação da propriedade a favor de outro particular, por estar coberta por uma disposição expressa da Lei Fundamental. Pode ler-se no Acórdão n.º 14/84: «Toda a argumentação tendente a fundamentar a inconstitucionalidade das normas que estabeleceram a extinção da colonia, mediante a remição de um dos dois direitos de propriedade em que ela consiste, arranca da exclusiva e isolada consideração do artigo 62.º da Constituição, sobre a garantia do direito de propriedade privada, e do entendimento de que ele só admite a perda forçada da propriedade em caso de expropriação por utilidade pública, com o sentido restrito que este conceito assume no direito infraconstitucional. Trata-se, porém, de uma leitura insustentável do texto constitucional. Esse mesmo preceito constitucional afirma que o direito de propriedade é garantido «nos termos da Constituição. Esta cláusula remete, direta- mente, entre outras coisas, para as normas do capítulo constitucional sobre a organização económica. E é nessa sede precisamente que se encontra o artigo 101.º, que na sua primitiva redação impunha a extinção da colonia e que na redação atual proíbe pura e simplesmente a sua existência. Qualquer que seja a leitura que haja de fazer-se do artigo 62.º da Constituição, quando se trate da pro- priedade em geral, a verdade é que, quando se trate de propriedade de meios de produção considerados nessa qualidade, o artigo 62.º abre-se às normas pertinentes da «constituição económica», entre as quais cumpre
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