TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
534 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conceito constitucional: a garantia constitucional da propriedade protege – no sentido que a seguir se identi- ficará – os direitos patrimoniais privados e não apenas os direitos reais tutelados pela lei civil, ou o direito real máximo. O segundo ponto firme é o da dupla natureza da garantia reconhecida no artigo 62.º, que contém na sua estrutura tanto uma dimensão institucional-objetiva quanto uma dimensão de direito subjetivo. O terceiro ponto firme dirá respeito ao âmbito desta última dimensão, de radical subjetivo, que irá incluída na estrutura da norma jusfundamental. A esta dimensão pertence, precisamente como direito ‘clássico’ de defesa, o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade senão por intermédio de um procedimento adequado e mediante justa compensação, procedimento esse especialmente assegurado no n.º 2 do artigo 62.º. Para além disso – e como se disse no Acórdão n.º 187/01, § 14 – ‘a outras dimensões do direito de propriedade, essenciais à realização do Homem como pessoa (…), poderá também, eventualmente, ser reconhecida natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias’. Análise mais demorada exigirá agora a natureza, atrás referida, da garantia constitucional da propriedade enquanto garantia de instituto, objetivamente considerada. Na verdade, a ‘garantia’ que vai reconhecida no n.º 1 do artigo 62.º tem uma importante dimensão insti- tucional e objetiva, que se traduz, antes do mais, em injunções dirigidas ao legislador ordinário. Por um lado, e negativamente, estará este proibido de aniquilar ou afetar o núcleo essencial do instituto infraconstitucional da ‘propriedade’ (nos termos amplos atrás definidos). Por outro lado, e positivamente, estará o mesmo legislador obrigado a conformar o instituto, não de um modo qualquer, mas tendo em conta a necessidade de o harmo- nizar com os princípios decorrentes do sistema constitucional no seu conjunto. É justamente isso que decorre da parte final do n.º 1 do artigo 62.º, em que se diz que “a todos é garantido o direito à propriedade privada (…) nos termos da Constituição.’ Assim, e apesar de a redação literal do preceito constitucional não conter, como é frequente em direito comparado, uma referência expressa às funções que a lei ordinária desempenha enquanto instrumento de modelação do conteúdo e limites da ‘propriedade’, em ordem a assegurar a conformação do seu exercício com outros bens e valores constitucionalmente protegidos, a verdade é que essa remissão para a lei se deve considerar implícita na ‘ordem de regulação’ que é endereçada ao legislador na parte final do n.º 1 do artigo 62.º, e que o vincula a definir a ordem da propriedade nos termos da Constituição. Tal vinculação não será, portanto, substancialmente diversa da contida, por exemplo, no artigo 33.º da Constituição espanhola (‘É reconhecido o direito à propriedade privada (…). A função social desse direito limita o seu conteúdo, em conformidade com as leis.”); no artigo 42.º da Constituição italiana (“A propriedade privada é reconhecida e garantida pela lei, que determina o seu modo de aquisição, gozo e limites com o fim de assegurar a [sua] função social (…)’; no artigo 14.º da Lei Fundamental de Bona (‘A propriedade e o direito à herança são garantidos. O seu conteúdo e limites são estabelecidos pela lei (…). O seu uso deve servir ao mesmo tempo os bens coletivos’. Embora a Constituição lhe não faça uma referência textual, existirá portanto, e também entre nós, uma cláusula legal da conformação social da propriedade, a que aliás terá aludido desde sempre a jurisprudência constitucional, ao dizer que ‘[e]stá tal direito de propriedade, reconhecido e protegido pela Constituição, na verdade, bem afastado da conceção clássica do direito de propriedade, enquanto jus utendi, fruendi et abutendi – ou na formulação impressiva do Código Civil francês (…) enquanto direito de usar e dispor das coisas de la manière la plus absolue (…). Assim, o direito de propriedade deve, antes do mais, ser compatibilizado com outras exigências constitucionais’ (referido Ac. n.º 187/01, § 14, citando anterior jurisprudência)». No caso em apreço, dos componentes que se identificaram supra como integrando o âmbito constitucional do direito de propriedade, está em causa o direito de não ser privado de bens próprios, que reveste natureza análoga ao regime dos direitos, liberdades e garantias e, nessa medida, beneficia, nos termos do artigo 17.º, da força jurídica conferida pelo artigo 18.º, ambos da Constituição. De facto, a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, operou-se automaticamente a consolidação da propriedade plena no titular do domínio útil, com a consequente perda da titularidade do direito do senhorio, sendo este esquema jurídico aquisitivo do direito de propriedade o vetor nuclear do programa normativo
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