TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

532 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por seu turno J. J. Gomes Canotilho e Abílio Vassalo Abreu reputam tal interpretação de ‘incontornavelmente desconforme com a Constituição’ e ‘uma distorção dogmaticamente inaceitável na noção de usucapião há muito arreigada na nossa tradição jurídica e consagrada no atual Código Civil’ (‘Enfiteuse sem extinção. A propósito da dilatação legal do âmbito normativo do instituto enfitêutico’, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 140.º, n. os 3967, 3968 e 3969, pp. 206-239, 266-300 e 326-344). Na sua ótica, ‘[d]o que se trata é, sim e apenas, de um conjunto de requisitos que configuram uma situação específica de que depende a constituição da enfiteuse por usucapião – para lá dos pressupostos a que normalmente a lei condiciona a verificação desta última –, nos termos especiais previstos no n.º 5 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, na redação dada pela Lei n.º 108/97, de 16 de setembro’ ( ob. cit. , p. 327). Refira-se que a abolição da enfiteuse não se circunscreveu aos prédios rústicos. Após a abolição da enfiteuse relativa a estes, chegaria a vez da extinção da enfiteuse relativa a prédios urbanos através do Decreto-Lei n.º 233/76, de 2 de abril, em cujo preâmbulo se afirmou o seguinte: «A enfiteuse relativa a prédios urbanos é um instituto jurídico que não desempenha, nos tempos atuais, qualquer função social útil. Impõe-se, por isso, a sua extinção, não obstante, em grande número de casos, ser titular do domínio direto o próprio Estado, que, assim verá extinta uma sua fonte de rendimento.»  Contudo, nesses casos, o legislador optou desde logo pela consagração de uma indemnização a favor do titular do domínio direto, mas aí não condicionada ao (baixo) nível de rendimentos. Prosseguia, com efeito, o preâmbulo: «Ao decretar-se essa medida, não pode, todavia, deixar de assegurar-se o justo equilíbrio dos direitos e dos interesses de senhorios e enfiteutas, não privando aqueles da indemnização a que a extinção coerciva de seu direito lhes dá jus e não sujeitando estes, forçada e inopinadamente, a encargos maiores que os que vinham suportando como foreiros. Por isso se toma como base da indemnização devida ao titular do domínio direto o que seria o preço da remição do foro e se proporcionam ao enfiteuta formas suaves de pagamento dessa indemnização (…).» O artigo 1.º, n.º 1, deste diploma aboliu a enfiteuse nesse domínio material, estabelecendo-se no n.º 2 do mesmo preceito que ‘[o] enfiteuta fica investido, a partir da data da entrada em vigor deste diploma, na titularidade do direito de propriedade plena do prédio’. O artigo 2.º consagrou a favor do senhorio o direito a uma indemnização ‘equivalente ao que seria o preço da remição do foro’. (n.º 1). Tal indemnização poderia ser fracionada (n.º 2 do mesmo artigo) e o direito corres- pondente deveria ser exercido no prazo de dois anos, a contar da data da entrada em vigor do diploma (n.º 3 do referido artigo). O Decreto-Lei n.º 233/76, de 2 de abril, viria a ser objeto de alterações pelos Decretos-Leis n. os 82/78, de 2 de maio, 73-A/79, de 3 de abril, e 226/80, de 15 de julho, todas tendentes a prorrogar o prazo para o exercício do direito de indemnização pelo titular do domínio direto. Por último, o Decreto-Lei n.º 335/84, de 18 de outubro, deu nova redação ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 233/76, de 2 de abril, estabelecendo a oficiosidade da atualização gratuita do registo predial em consequência da aplicação do diploma. 6.3 A opção levada a cabo pelo legislador ordinário iria ser acolhida pelo legislador constituinte, impondo, até aos nossos dias, a abolição da enfiteuse. A Constituição da República Portuguesa, no seu texto original, estabeleceu no seu artigo 101.º, n.º 2, que: ‘Serão extintos os regimes de aforamento e colonia e criadas condições aos cultivadores para a efetiva abolição do regime de par- ceria agrícola”. A atual redação da referida norma, hoje artigo 96.º, n.º 2, decorre da Revisão Constitucional de 1982, sendo a seguinte: ‘São proibidos os regimes de aforamento e colonia e serão criadas condições aos cultivadores para a efetiva abolição do regime de parceria agrícola’.

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