TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
530 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL implantaram benfeitorias, o que vale dizer, a «expropriarem» a terra em seu proveito. Que aí se verifica uma exce- cional restrição do direito de propriedade do senhorio é inquestionável – só que se trata, atento o que fica dito, de uma restrição que, porque «prevista na Constituição», cabe no elenco daquelas que a mesma consente, nos termos do seu artigo 18.º, n.º 2.’ A invocação que aqui se faz da remição da colonia afigura-se inteiramente pertinente. É sabido, com efeito, que, depois de o Decreto-Lei n.º 47937, de 15 de setembro de 1967, ter proibido a cele- bração futura da colonia (mantendo, no entanto, as situações pré-existentes), a Constituição determinou, no seu artigo 101.º, n.º 2 (versão originária), a extinção do regime da colonia. E na sequência desta prescrição constitucional, o Decreto Regional n.º 13/77/M, de 18 de outubro, esta- beleceu, no artigo 3.º, um direito de remição em favor do colono-rendeiro. Essa norma foi objeto de um juízo de não inconstitucionalidade em diversos acórdãos deste Tribunal (cfr., entre outros, o já mencionado Acórdão n.º 404/87), apesar de se reconhecer que “a remição da propriedade do solo, oponível unilateralmente ao respetivo dono, é algo que afeta em cheio o direito de propriedade deste último” (citado Acórdão n.º 404/87). Ora, é patente alguma semelhança entre a remição da colonia e a remição do arrendamento rural admitida na norma aqui em apreciação: em ambos os casos está em causa uma “transmissão forçada” do direito de propriedade sobre a terra, do proprietário de raiz para o cultivador – em ambos os casos existe uma especial responsabilidade do cultivador em dotar a terra de condições produtivas – e em ambos os casos a intervenção legislativa ocorreu num momento de transição constitucional, visando transformar as formas de utilização produtiva da terra em favor do cultivador. Isto não obstante – há que reconhecê-lo – o respaldo constitucional da remição da colonia ter derivado, em grande parte, do referido artigo 101.º, n.º 2, da Constituição, sem que no entanto se tenha deixado de ponde- rar os comandos constitucionais relativos à política agrícola. É também sabido que o mesmo artigo 101.º, n.º 2, da Constituição proibiu ainda o regime de aforamento, onde se podem distinguir dois direitos de propriedade […], sendo certo que à data da aprovação da Constituição já estavam extintos os foros, relativos aos prédios rústicos, por força do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março. Nesse diploma, determina-se a transferência ope legis do domínio direto dos prédios para o titular do domínio útil (artigo 1.º, n.º 1), sem que se conceda, em termos gerais, ao titular do domínio direto qualquer indemnização – esta só está prevista nos casos em que o titular do domínio direto seja pessoa singular com rendimento mensal inferior ao salário mínimo mensal nacional (artigo 2.º, n.º 1). Ora, a posição de rejeição de formas de exploração da terra de reconhecida injustiça social – enfiteuse e colonia – que o legislador constituinte assume alicerça-se claramente em valores de proteção do cultivador, plasmados na Constituição (cfr. artigos 93.º, n.º 1, e 96.º). E não é ousado admitir-se que essa mesma rejeição e esses mesmos valores legitimam constitucionalmente o disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 547/74, tendo em conta a precariedade da situação jurídica do arrendatário rural que, nos termos do regime geral do arrendamento rural, poderia ser despejado, com perda das benfeitorias por ele realizadas numa terra que fora dada de arrendamento inculta e onde se instalara com caráter de permanência. […]” (itálicos acrescentados). Contém o trecho sublinhado no final da transcrição um assumido argumento de identidade de razão, sin- tomaticamente apresentado num quadro de afirmação de conformidade constitucional, construído com base na abolição da enfiteuse, operada pelo Decreto-Lei n.º 195-A/76, relativo à remição do arrendamento rural pelo rendeiro nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 547/74. Aliás, a existência de pontos de contacto entre o “[…] direito derivado do Decreto-Lei n.º 547/74 […] e o regime da enfiteuse, quanto ao direito de remição estabelecido no artigo 5.º, n.º 1, do Diploma, já havia sido sublinhada, em 1979, por António Mene- zes Cordeiro, atribuindo à faculdade de remição pelo rendeiro, estabelecida nessa norma, a natureza de um direito real de aquisição ( Direitos Reais , Lisboa, 1993, reimpressão da edição de 1979, pp. 719/720). 2.3.2. Seja como for, a decisão deste Tribunal que se prefigura com particular relevo para a apreciação do presente recurso corresponde ao Acórdão n.º 786/14 (o precedente da jurisprudência constitucional citado na decisão recorrida). Neste o Tribunal decidiu julgar inconstitucionais as normas constantes das alíneas a) e
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