TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III – A propósito da remissão do foro pelo rendeiro, decorrente do Decreto-Lei n.º 547/74, de 22 de outu- bro, o Tribunal Constitucional teve oportunidade de sublinhar em 2007 “não pode[r] subscrever-se a interpretação do artigo 62.º da Constituição, […] segundo a qual a expropriação e a requisição são os únicos limites constitucionalmente admissíveis ao direito de propriedade […], afirmando ainda o Tribunal, nessa ocasião, incidir a proibição constitucional sobre a “[…] ablação do direito de proprie- dade, sem que os atos que a consubstanciam estejam suficientemente ancorados em outras normas ou princípios constitucionais dos quais resulte a necessidade da ablação da propriedade”, como seja a “[…] rejeição de formas de exploração da terra de reconhecida injustiça social – enfiteuse e colonia – que o legislador constituinte assum[iu] [alicerçarem-se] em valores de proteção do cultivador, plas- mados na Constituição (cfr. artigos 93.º, n.º 1, e 96.º)” (Acórdão n.º 159/07); IV – A enfiteuse traduzia-se numa dissociação, no quadro de um determinado direito de propriedade fun- diária, de duas situações dominiais: a direta, na titularidade do senhorio, e a útil, atribuída ao enfiteuta (artigo 1491.º do Código Civil de 1966), sendo tal dissociação tendencialmente perpétua, todavia “sem prejuízo do direito de remição, nos casos em que é admitido” (artigo 1492.º, n.º 1, do Código Civil de 1966). Ou seja, a perpetuidade surgia mitigada, ou até neutralizada, pela existência de um direito potestativo de remição do foro por parte do enfiteuta, o que ajudou ao enquadramento da faculdade de remição como situação de natureza expropriativa, guiada por uma teleologia específica; V – A caracterização da remição recorrendo à ideia de “expropriação” descreve um efeito decorrente do exer- cício daquela faculdade que apresenta um paralelismo com o efeito desencadeado por uma expropriação: a desapropriação forçada (desencadeada por vontade alheia), do senhorio, do direito correspondente ao domínio direto. Descreve, ainda, um outro elemento central do conceito de expropriação: a consideração indemnizatória da posição liquidada pelo ato expropriativo, sendo certo que a remição coativa, no seio da enfiteuse, sempre envolveu uma contrapartida devida ao senhorio (o preço da remição). E descreve esse paralelismo com a expropriação, a presença de uma regra de atuação num quadro de contraposição de interesses, no sentido em que um destes é associado a uma “utilidade” que se entende dever prevalecer (no sentido em que pode ser desencadeada por ato unilateral do portador de um dos interesses); VI – Na abolição da enfiteuse, existiu uma sugestiva associação da ideia de remição de um foro à libertação do agricultor daquele modo de ligação à terra, que apresentava aspetos de servidão pessoal; VII – Devem considerar-se separadamente, no juízo de inconstitucionalidade, duas dimensões normativas: (1) a da constituição da enfiteuse por usucapião (o que esteja em causa no artigo 1.º, n. os 5 e 6, do Decreto-Lei n.º 195-A/76); e (2) as da extinção da enfiteuse e da falta de indemnização relativa a essa extinção (artigos 1.º, n.º 1, e 2.º do mesmo Diploma). VIII– A abolição da enfiteuse, em si mesma considerada, apresenta credencial constitucional bastante, envol- vendo essa credenciação a consequência estabelecida no segundo trecho do n.º 1 do mesmo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março: a transferência do domínio direto para o enfiteuta e, consequentemente, a aquisição da propriedade sobre o prédio por este. Aliás, o próprio legislador constitucional entendeu que o regime previsto no Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16 de março, tradu- zia uma resposta ao programa constitucional, no que respeita à extinção da enfiteuse; IX – O regime de reconhecimento, no momento atual, de uma relação de enfiteuse constituída por usu- capião, por referência à data da abolição desta figura (16 de março de 1976), nos termos do referido
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