TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

510 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL No presente processo, o relatório do Tribunal de Contas contém “juízos de censura”, incluindo matérias em que, na opinião do próprio Tribunal de Contas, a entrada em vigor de lei posterior fez cessar a responsa- bilidade por infrações financeiras. De facto, no âmbito da sua competência de verificação externa das contas, cabe ao Tribunal de Contas emitir juízos sobre a sua conformidade legal e regularidade [artigo 54.º, n.º 3, alí- nea f ) , da LOPTC]. Os juízos de censura assim formulados devem refletir uma avaliação objetiva da conduta do titular do cargo público, necessariamente fundamentada e baseada em normas legais e regulamentares. Na verdade, a formulação de “juízos públicos de censura” não representa uma opção de estilo linguístico da decisão, tão-pouco um mero obiter dicta, mas sim o exercício de uma das competências legalmente atribuídas ao Tribunal de Contas, tal como a formulação de “juízos de simples apreciação” ou “juízos de condenação” (artigo 13.º, n.º 3, da LOPTC). Ora, estes juízos expressam uma reprovação pública e publicitada pelo Tribunal de Contas da atuação de certos titulares de cargos públicos – o que tem, indubitavelmente, consequências ao nível do seu bom nome e reputação. De facto, a imputação de um juízo de censura pelo Tribunal de Contas ao cidadão em causa tem a suscetibilidade de afetar a consideração social pelo seu desempenho de determinado cargo, lesando o seu direito ao bom nome e reputação. Essa lesão decorre também, no caso, da divulgação, determinada pelo próprio Tribunal, do relatório e dos juízos de censura nele constantes, quer por diversos órgãos e entidades públicos, quer ao público em geral, através da sua disponibilização no sítio da internet do Tribunal de Contas. Neste contexto, o artigo 81.º, n.º 3, do regulamento da 2.ª Secção do Tribunal de Contas estabelece que a «divulgação perante os demais órgãos de soberania, autoridades públicas e comunicação social, dos resulta- dos das auditorias é limitada aos relatórios fixados pelo Tribunal, salvo deliberação diferente da entidade que os aprovar». Note-se, finalmente, que a audição dos responsáveis é feita antes da formulação dos “juízos públicos de censura” (artigo 13.º, n.º 3, da LOPTC), o que significa que, em casos como o presente, em que não há efe- tivação de responsabilidades financeiras, o visado pelo juízo de censura fica sem possibilidade de se defender deste juízo. Tendo em conta este enquadramento, tem de se concluir que os juízos de censura formulados pelo Tri- bunal de Contas são suscetíveis de afetar a esfera jurídica do cidadão em causa e os direitos fundamentais por si invocados, neste caso. Ora, face ao juízo negativo público da conduta do visado à luz do regime aplicável, terá de se admitir a possibilidade de este aceder à tutela judicial, defendendo-se e contra-argumentando da concreta censura que lhe é feita de modo a poder ver a questão reapreciada por diferente órgão do tribunal. Decorre, por isso, do direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional, previsto no artigo 20.º da Cons- tituição, a necessidade de existir uma via de reapreciação judicial do ato lesivo dos direitos fundamentais no presente processo. Na ausência de responsabilidade financeira e do seu julgamento pela 3.ª Secção, verifica-se uma impossibilidade absoluta de impugnar judicialmente os atos em causa (juízos públicos de censura), que não pode deixar de corresponder à violação do direito de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva. 23. Em situações em que são formulados juízos de censura em relatórios de auditoria aprovados por decisões da 2.ª Secção do Tribunal de Contas, existe uma afetação do direito fundamental ao bom nome e reputação. Quando esse juízo de censura é desacompanhado de julgamento de responsabilidade financeira na 3.ª Secção, o cidadão titular do cargo público em causa, por causa da regra da irrecorribilidade das deli- berações da 2.ª Secção decorrente do artigo 96.º, n.º 2, da LOPTC, vê-se impossibilitado de se defender da censura, impugnando judicialmente a decisão em causa, contrapondo argumentos e questionando as conclu- sões do relatório. A norma em causa permite a existência de uma lesão de um direito fundamental, por um ato do Tribunal de Contas, sem que exista acesso à tutela jurisdicional para a sua defesa, o que é intolerável à luz da ordem constitucional da República Portuguesa.   Por tudo o que fica exposto, verifica-se que é desconforme com a Constituição a irrecorribilidade das decisões do Tribunal de Contas que profiram juízos públicos de censura por impossibilitarem a impugnação judicial de juízos de censura formulados sobre a conduta de titulares de cargos públicos.

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