TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

509 acórdão n.º 812/17 próprias da atividade jurisdicional, (assente na resolução de um litígio) pese embora a natureza judicial do órgão que nela intervém. Assim, não faria sentido, neste contexto, falar em direito ao recurso – enquanto direito a uma reapre- ciação, pelo diferente grau de jurisdição, de uma decisão judicial anterior. A questão central não passa, por isso, por analisar se estamos perante uma situação em que a Constituição garante o direito ao recurso, mas antes se a tutela jurisdicional efetiva exige que exista a possibilidade de impugnação judicial do ato em causa da 2.ª Secção do Tribunal de Contas. O que faz sentido discutir, neste contexto, é antes a possibilidade de um cidadão aceder à tutela jurisdicional perante um ato do Tribunal de Contas que afete os seus direitos fundamentais, nomeadamente por corresponder à aplicação de uma sanção. Ora, a decisão da 2.ª Secção do Tribunal de Contas não imputou ao recorrente a prática de factos suscetíveis de serem qualificados como infrações financeiras, e como tal serem cognoscíveis e julgados pelo Tribunal de Contas, ou que sejam fonte geradora de responsabilidade financeira, reintegratória ou sancio- natória a efetivar pelo mesmo tribunal. Com efeito, a decisão da qual pretendia recorrer não foi proferida em nenhum dos processos jurisdicionais do Tribunal de Contas, não concluiu pela aplicação de uma sanção típica daqueles processos. Tão-pouco tem a decisão qualquer caráter injuntivo que se traduza na condenação em reposição ou em multa, ou na respetiva relevação, assente numa prévia avaliação do grau de culpa dos seus autores, quer a título de dolo ou de negligência e com consequente afetação da esfera jurídica indivi- dual e patrimonial de quem quer que seja, nem nela se descortina um conteúdo materialmente idêntico que permita qualificá-la como uma decisão jurisdicional do Tribunal de Contas de caráter injuntivo, e como tal passível de recurso nos mesmos termos em que o são as decisões com aquele conteúdo proferidas pelo Tribu- nal de Contas (artigo 96.º, n.º 3, da LOPTC). 22. Independentemente desta questão, pretende o recorrente que os juízos de censura emitidos na decisão que aprovara o relatório de auditoria configuram sanções inominadas atípicas – caso em que se imporia o direito fundamental à sua impugnação judicial. Todavia, como acima se adiantou, a consagração na Constituição da competência exclusiva do Tribunal de Contas para efetivar a responsabilidade financeira, “nos termos da lei” [artigo 214.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição] não deixa espaço para a atipicidade nesta matéria. Na perspetiva afirmada na decisão recorrida «Os juízos de auditoria e os juízos de censura que lhe estão associados são juízos técnicos formulados de acordo com os princípios e normas de auditoria condensa- das no Manual de Auditoria do Tribunal – Volume I e Volume II e não têm eficácia ablativa na esfera jurídica pessoal e patrimonial dos auditados (…). E só tem eficácia ablativa na esfera jurídica dos auditados se conti- verem evidenciação de situações integradoras de eventuais infrações financeiras que constituam fundamento e pressuposto processual para o Ministério Público requerer julgamento e eventual condenação em multa ou em reposições previstas nos artigos 59.º a 65.º da LOPTC» (cfr. n. os 26 e 27 da deliberação da subsecção da 2.ª Secção de 17 de setembro de 2015, fls. 50-51). Assim, os juízos de censura constantes da decisão em causa não correspondem a sanções no sentido técnico do regime sancionatório do Tribunal de Contas. No entanto, esta conclusão não resolve definitivamente o problema da necessidade de tutela jurisdi- cional perante o relatório de auditoria que contenha juízos de censura. Como se afirmou, é reconhecido o direito fundamental à impugnação judicial de atos dos tribunais (independentemente da sua natureza) que constituam a causa primeira e direta da afetação de direitos fundamentais, nomeadamente através de recurso legalmente previsto. O recorrente argumenta que o seu direito ao bom nome e reputação, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, é afetado pelo juízo de censura decorrente do relatório. O direito fundamental ao bom nome e reputação, reconhecido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Constituição, consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação (vide Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Ano- tada, 4.ª edição, Coimbra Editora, p. 466; vide também, v. g. , o Acórdão n.º 338/09, ponto 5.3.).

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