TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
507 acórdão n.º 812/17 Secção) que têm natureza jurisdicional (cfr. Guilherme de Oliveira Martins e José F. F. Tavares, “O Tribunal de Contas na Ordem Constitucional Portuguesa”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda , vol. V, Coimbra Editora, 2012, p. 705). No que diz especificamente respeito aos processos relativos à efeti- vação de responsabilidades financeiras reintegratória ou sancionatória (artigos 89.º a 95.º da LOPTC), «o processo judicial definido na lei (…) garante as dimensões básicas do due process of law » (J. J. Gomes Cano- tilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., anotação V ao artigo 214.º, p. 577; vide também Acórdão n.º 127/16, ponto 8). A responsabilidade financeira (embora constitua um tipo autónomo de responsabilidade sancionatória), está expressamente consagrada na Constituição, no âmbito da competência do Tribunal de Contas, “nos termos da lei” [artigo 214.º, n.º 1, alínea c), da Constituição], não existindo margem para a aplicação de san- ções inominadas ou atípicas. Como sublinha Guilherme de Oliveira Martins, «a responsabilidade financeira, quer sancionatória, quer reintegratória, baseia-se em cenários claramente tipificados na lei, concretizando-se quando se verifiquem factos específicos» (Guilherme de Oliveira Martins, O Tribunal de Contas como juris- dição completa , cit., p. 644). 20. A competência destinada à fiscalização concomitante e sucessiva atribuída à 2.ª Secção do Tribunal de Contas apresenta contornos específicos. Desde logo, cumpre notar que, apesar de comportar alguma ati- vidade judicializada, a auditoria não constitui em si mesma uma atividade jurisdicional. Culminando uma fase “pré-processual” do procedimento que visa a efetivação de responsabilidades financeiras, a decisão judicial que aprova o relatório já tem sido definida como um pressuposto processual da instauração da posterior ação para efetivação das responsabilidades financeiras, cujo julgamento será já da competência da 3.ª Secção (neste sentido, António Cluny, Responsabilidade Financeira e Tribunal de Con- tas, Contributos para uma reflexão necessária, Coimbra Editora, 2011, p. 85, ainda que por referência à Lei n.º 86/89) As auditorias, previstas no artigo 5.º, n.º 1, alínea g) , da LOPTC, são, com efeito, meros meios pro- cessuais instrumentais da realização da jurisdição e competências legalmente atribuídas àquele tribunal, surgindo, portanto, ligadas à realização de alguma das competências que a referida Lei lhe comete. Neste sentido, o julgamento das contas a que alude o artigo 216.º da Constituição não configura, em rigor, uma função jurisdicional, mas antes a apreciação e verificação das contas, de forma a emitir um juízo técnico sobre a sua legalidade (José Tavares e Lídio Magalhães, Tribunal de Contas – Legislação Anotada , em anotação ao n.º 1 do artigo 16.º da Lei n.º 86/89, Almedina, 1990, pp. 87 e 88). Na verdade, o exercício da função jurisdicional só tem lugar se forem detetadas infrações financeiras nas auditorias (aludidas nos artigos 54.º e 55.º da LOPTC) e em relação aos respetivos responsáveis. Justifica-se recuperar aqui o que se consignou no Acórdão n.º 605/99, deste Tribunal, então por referên- cia à Lei n.º 86/89, de 8 de setembro, mas ainda com pertinência para a questão a decidir: «2.4. (…) o Tribunal de Contas, além das funções jurisdicionais, outras exerce que não têm aquela natureza, (cfr. Sousa Franco, Direito Financeiro e Finanças Públicas, Vol. I, pp. 285 e seguites.; Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, pp., 1976, pp. 100; Trindade Pereira, O Tribunal de Contas, pp. 79 e seguintes; Frei- tas do Amaral, Direito Administrativo e Ciência da Administração, 1978, pp. 392 e seguintes.; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, pp. 818; e Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, pp. 266 e seguintes.). A este respeito, defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira (obra supra cit. p. 818) que ‘o Tribunal de Contas não tem apenas funções jurisdicionais (fiscalizar a legalidade das despesas, julgar as contas); possui também funções de outra natureza, nomeadamente “dar parecer sobre a Conta Geral do Estado” e outras contas públicas de grande relevância económica e orçamental, como as contas das regiões autónomas e da segurança social’. Na mesma linha, opina Marcelo Rebelo de Sousa ( Organização Judicial, Responsabilidade dos Juízes e Tribunal Constitucional, p. 19) que o Tribunal de Contas ‘exerce funções não jurisdicionais, antes de controlo administrativo
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