TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
506 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado, neste contexto, abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente (cfr. Acórdão n.º 652/17, ponto 2.3., e Acórdão n.º 243/13, ponto 10; este último, por referência, nomeadamente, aos Acórdãos n.º 210/92, ponto 2, n.º 346/92, ponto 4, n.º 475/94, ponto II, n.º 270/95, ponto 11, n.º 336/95, ponto 11, n.º 489/95, ponto II. 2, n.º 715/96, ponto 11, n.º 1124/96, ponto II. 3, n.º 234/98, ponto 11, n.º 276/98, ponto II. 2, n.º 638/98, ponto 9, n.º 415/01, ponto 7, n.º 261/02, ponto 10, n.º 302/05, ponto 9.2. e n.º 500/07, ponto 2). Para além disso, deve considerar-se constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quais- quer atos lesivos dos direitos fundamentais dos cidadãos, sejam de particulares ou de órgãos do poder público. Assim, mesmo fora do âmbito do direito de defesa do arguido em processo penal, a Constituição garante o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais) que constituam a causa primeira e direta da afetação de tais direitos. No entanto, tem de se fazer uma distinção: o reconhecimento do direito à reapreciação judicial, neste caso, apenas abrange a atuação de um tribunal, individualmente considerada, que afeta de forma direta um direito fundamental de um cidadão. Diferen- temente, quando a afetação em causa tenha origem na atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já foi objeto de controlo jurisdicional, pelo que, nesse caso já não seria constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão de controlo. (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos n.º 40/08, ponto 2.3., n.º 44/08, ponto 2, n.º 197/09, ponto 2.2., e o n.º 243/13, ponto 10). iv) Enquadramento da recorribilidade da decisão do Tribunal de Contas em causa 18. Neste contexto, importa enquadrar a decisão do Tribunal de Contas de que o recorrente pretendia recorrer. A Constituição define o Tribunal de Contas como «o órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei mandar submeter-lhe» (artigo 214.º da Constituição). Na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, que concretiza as suas competências, é pos- sível distinguir três poderes deste órgão: (a) fiscalização prévia; (b) controlo financeiro e de auditoria; e (c) efetivação de responsabilidades. Como notado por Guilherme de Oliveira Martins, «o exercício de tais pode- res consubstancia-se na prática de diferentes atos que revestem natureza diversas consoante a competência ou poder em causa» (“O Tribunal de Contas como jurisdição completa”, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. I, Almedina, 2012, p. 636). Enquanto na fiscalização prévia, que se exerce mediante os atos de concessão de visto, recusa de visto ou visto com recomendações, o Tribunal de Contas se pronuncia sobre a legalidade, «a fiscalização concomitante e sucessiva constitui uma forma de atuação própria, que se concretiza através de realização de auditorias que têm por objeto já não os aspetos jurídicos relacionados com a formação do contrato, mas a sua execução, de acordo com uma perspetiva substancial de utilização dos dinheiros públicos», incidindo «sobre o mérito da gestão, segundo critérios de economicidade, eficiência e eficácia» ( idem , p. 639). No âmbito das auditorias, «as recomendações surgem como instrumentos fun- damentais de correção de eventuais deficiências ou irregularidade identificadas. Para garantir a eficácia das recomendações, a lei atribui particular relevância ao seu acatamento pelos respetivos destinatários em sede e apuramento da responsabilidade financeira. A eficácia das recomendações tem, assim, a ver com a necessi- dade de contribuir para o melhor funcionamento do Estado e para a reforma das instituições» ( idem , p. 641). Para além daquelas competências, o Tribunal de Contas tem ainda o poder de efetivar a responsabilidade por infrações financeiras, nos termos da lei. Em concretização do artigo 214.º, n.º 1, alínea c) , da Constitui- ção, o legislador investiu o Tribunal de Contas no poder de efetivar responsabilidade financeira de uma dupla natureza: responsabilidade financeira sancionatória, mediante a aplicação de multas pela violação de normas de natureza financeira, e responsabilidade financeira reintegratória, através da condenação na reposição de dinheiros públicos. 19. No âmbito de competência do Tribunal de Contas, são os processos relativos ao julgamento da responsabilidade financeira (competência da 3.ª Secção) e ao exercício da fiscalização prévia (atribuído à 1.ª
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