TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

503 acórdão n.º 812/17 A questão de constitucionalidade colocada assenta, assim, na afetação da garantia de defesa do direito ao recurso (artigo 32.º, n. os 1 e 10, da Constituição) pela solução normativa em causa. Só a conclusão pela verificação de uma restrição naquele direito justificará, assim, na tese do recorrente, a apreciação dos demais parâmetros, invocados que foram em conjugação com aquele. 11. Nas suas alegações, o recorrente entende que «revestem natureza sancionatória» os juízos de censura contra si dirigidos enquanto responsável pela gestão financeira, pelas contas de gerência e pelas demonstrações financeiras, no relatório final da Auditoria ao Município de Vila Nova de Gaia, aprovado na deliberação da 2.ª Secção do Tribunal de Contas. Partindo dessa qualificação, lembra que num processo que pode ter como consequência a aplicação de uma sanção deve ser sempre assegurado o direito de audiência e de defesa à pessoa potencialmente sancionada (artigo 32.º, n.º 10, da Constituição). Para além disso, em caso de decisão judicial condenatória, tem que ser garantido ao condenado o direito de ver apreciada essa condenação, em recurso. A questão de constitucionalidade da norma que não admite recurso da decisão do Tribunal de Contas que aprovou o relatório é, portanto, alicerçada pelo recorrente no caráter sancionatório da censura aí efe- tuada. No entendimento do recorrente, apesar de a Constituição apenas prever expressamente a garantia de defesa do direito ao recurso para o processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), as garantias de defesa valem, na sua essência, para todos os processos sancionatórios, onde se incluiria o presente processo. ii) Direito ao recurso como garantia de defesa em matéria penal 12. Independentemente da análise da questão da natureza das deliberações da 2.ª Secção do Tribunal de Contas que aprovam os relatórios de auditoria, cumpre, pois, em primeiro lugar, determinar se para o julgamento da conformidade constitucional da norma sub judicio se justifica, ou não, convocar o parâmetro previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, como pretende o recorrente. Sobre este aspeto é, desde já, de assinalar que o entendimento expresso pelo recorrente no sentido de que a garantia constitucional de defesa do direito ao recurso tem plena validade em qualquer processo sanciona- tório, não encontra acolhimento na jurisprudência do Tribunal Constitucional. 13. Existe uma vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional que versa sobre a projeção das garantias de defesa com relevo em matéria penal nos diversos processos sancionatórios. Sem prejuízo do reconheci- mento da valência das garantias de defesa também no domínio contraordenacional, o Tribunal Constitu- cional tem recusado o entendimento de que o legislador ordinário estaria constitucionalmente vinculado a estabelecer naquele processo exatamente as mesmas garantias de defesa legislativamente estabelecidas no campo processual-penal. Efetivamente, o Tribunal tem-se pronunciado no sentido da inexistência de uma estreita equiparação entre o regime aplicável ao ilícito criminal e o respeitante ao ilícito de mera ordenação social e sublinhado «a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contraordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matérias de processo penal» (cfr. Acórdão n.º 469/97, ponto 5, e também a síntese da jurisprudência constante do Acórdão n.º 297/16, ponto 14, que aqui seguimos). 14. Especificamente sobre o direito ao recurso, é de referir que a identificação expressa no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição do direito ao recurso como garantia de defesa inscreve este direito no âmbito do pro- cesso criminal. A este respeito, tem sido abundantemente salientado na jurisprudência do Tribunal Consti- tucional (cfr. Acórdão n.º 429/16, ponto 10): «(…) o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal, como tem sido invariavelmente repetido na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Nesse aspeto, o direito ao recurso encontra-se expressamente inscrito entre os pilares constitucionais do Direito do Pro- cesso Penal da República Portuguesa.

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