TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

499 acórdão n.º 812/17 3. Prosseguindo o processo, o recorrente alegou, concluindo do seguinte modo: «1. O objeto do recurso é “a questão da inconstitucionalidade do artigo 96.º, n.º 2, da LTC, na interpretação conducente ao sentido de que ‘não há recurso das deliberações da 2.ª secção [do Tribunal de Contas] que aprovem relatórios de verificação de contas ou de auditoria, quando os mesmos emitam e apliquem juízos de censura (que revestem natureza sancionatória) aos visados e responsáveis financeiros’”. 2. Questão de inconstitucionalidade essa que foi, dessa forma, definida pelo acórdão n.º 144/16 do Tribunal Constitucional – que deferiu a reclamação apresentada contra o despacho do relator do Tribunal de Contas de não admissão do recurso de constitucionalidade, interposto da deliberação da 2.ª Secção do mesmo Tribunal, de 17 de setembro de 2015. 3. Foi, na verdade, com esta interpretação que aquele normativo foi aplicado pela decisão recorrida, que é a deliberação da 2.ª Secção do Tribunal de Contas, de 17 de junho de 2015 – o que, de resto, o Tribunal Constitu- cional reconheceu como certo no acórdão n.º 144/16, de 9 de março de 2016. 4. No acórdão n.º 144/16, de 9 de março de 2016, teve-se por assente que aquela interpretação foi aplicada “como ratio decidindo da decisão recorrida”. 5. Para o Tribunal Constitucional – tal como para o recorrente –, é assim claro que “revestem natureza san- cionatória” os juízos de censura que constam do relatório final da Auditoria ao Município de Vila Nova de Gaia, aprovado pela aqui recorrida deliberação da 2.ª Secção do Tribunal de Contas, de 17 de junho de 2015 – juízos de censura esses que são dirigidos a si, recorrente, enquanto «responsável pela gestão financeira, pelas contas de gerência e pelas demonstrações financeiras» daquele Município. 6. Esses juízos de censura constituem uma sanção inominada atípica, que lhe é aplicada pela deliberação recor- rida, pois atingem-no no seu bom nome e na sua reputação pessoal e profissional. 7. Só como sanção – e não como puro “juízo técnico” – pode, efetivamente, ser qualificada a imputação de “desconformidades legais” que, “em abstrato”, configuram “ilícitos financeiros” que só não conduziram à aplicação de “multas e reposições com eficácia ablativa na esfera jurídica pessoal e patrimonial” do recorrente, porque (de acordo com o despacho do relator do Tribunal de Contas, de 9 de novembro de 2015) “a sua eventual ilicitude cessou a vigência na ordem jurídica, por aplicação de lei superveniente mais favorável” (cf. n. os 3, 9.3, 9.4 e 9.5). 8. O carácter sancionatório dos referidos juízos de censura evidencia-se ainda no facto de, no relatório preli- minar, os factos que suportam tais juízos terem sido anunciados como suscetíveis de aplicação de forte juízo de censura, enquanto que, no relatório final foi decidida a aplicação de juízo de censura. 9. Foi moderada pela decisão objeto de recurso para o Pleno do Tribunal de Contas a medida e graduação dessa sanção atípica e inominada. 10. A imputação a um político, que é “responsável pela gestão financeira, pelas contas de gerência e pelas demonstrações financeiras” de umMunicípio, de factos que, “em abstrato”, configuram “ilícitos financeiros”, cons- titui uma imputação de condutas que vulneram a sua integridade moral, que a Constituição da República declara inviolável no seu art. 25.º, n.º 1. 11. Essa imputação atinge o recorrente no seu bom nome e na sua reputação, que são direitos que a todos são constitucionalmente garantidos no art. 26.º, n.º 1, da Lei Fundamental (o direito à integridade pessoal e o direito ao bom nome e reputação). 12. Direitos esses que são exigências ético-jurídicas da dignidade da pessoa humana, em que a República Por- tuguesa se funda (cf. art. 1.º da Constituição). 13. Deve o Estado de direito entendido no seu sentido mais nobre de Estado de Justiça, construído a partir da pessoa e tendo sempre a pessoa como fim, reconhecer esses direitos, garanti-los, defendê-los e promovê-los. 14. Deste modo se assegurando a todos o “acesso ao direito e aos tribunais para defesa” desses direitos, sempre que eles sejam vulnerados ou seriamente ameaçados (cf. art. 20.º, n.º 1, da Constituição) por forma a concretizar uma terral efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos (cf. art. 20.º, n.º 5, da Constituição).

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