TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

497 acórdão n.º 812/17 a que alude o artigo 216.º da Constituição não configura, em rigor, uma função jurisdicional, mas antes a apreciação e verificação das contas, de forma a emitir um juízo técnico sobre a sua legalidade; na verdade, o exercício da função jurisdicional só tem lugar se forem detetadas infrações financeiras nas auditorias e em relação aos respetivos responsáveis. IX – A decisão objeto do presente recurso, da 2.ª Secção do Tribunal de Contas, não constitui um ato do exercício da função jurisdicional, não fazendo sentido, neste contexto, falar em direito ao recur- so – enquanto direito a uma reapreciação, pelo diferente grau de jurisdição, de uma decisão judicial anterior; por isso, a questão central não passa por analisar se estamos perante uma situação em que a Constituição garante o direito ao recurso, mas antes se a tutela jurisdicional efetiva exige que exista a possibilidade de impugnação judicial do ato em causa da 2.ª Secção do Tribunal de Contas; neste contexto, o que faz sentido discutir é antes a possibilidade de um cidadão aceder à tutela jurisdicional perante um ato do Tribunal de Contas que afete os seus direitos fundamentais, nomeadamente por corresponder à aplicação de uma sanção. X – A decisão da 2.ª Secção do Tribunal de Contas não imputou ao recorrente a prática de factos sus- cetíveis de serem qualificados como infrações financeiras, e como tal serem cognoscíveis e julgados pelo Tribunal de Contas, ou que sejam fonte geradora de responsabilidade financeira, reintegratória ou sancionatória a efetivar pelo mesmo tribunal; tão-pouco nela se descortina um conteúdo mate- rialmente idêntico que permita qualificá-la como uma decisão jurisdicional do Tribunal de Contas de caráter injuntivo, e como tal passível de recurso nos mesmos termos em que o são as decisões com aquele conteúdo proferidas pelo Tribunal de Contas; a consagração na Constituição da competência exclusiva do Tribunal de Contas para efetivar a responsabilidade financeira, “nos termos da lei” não deixa espaço para a atipicidade nesta matéria, pelo que os juízos de censura constantes da decisão em causa não correspondem a sanções no sentido técnico do regime sancionatório do Tribunal de Contas. XI – No entanto, é reconhecido o direito fundamental à impugnação judicial de atos dos tribunais (inde- pendentemente da sua natureza) que constituam a causa primeira e direta da afetação de direitos fundamentais, nomeadamente através de recurso legalmente previsto; ora, no presente processo, o relatório do Tribunal de Contas contém “juízos de censura”, cuja formulação corresponde ao exercício de uma das competências legalmente atribuídas ao Tribunal de Contas, expressando estes juízos uma reprovação pública e publicitada pelo Tribunal de Contas da atuação de certos titulares de cargos públicos – o que tem, indubitavelmente, consequências ao nível do seu bom nome e reputação; de facto, a imputação de um juízo de censura pelo Tribunal de Contas ao cidadão em causa tem a susce- tibilidade de afetar a consideração social pelo seu desempenho de determinado cargo, lesando o seu direito ao bom nome e reputação, lesão que decorre também, no caso, da divulgação, determinada pelo próprio Tribunal, do relatório e dos juízos de censura nele constantes, quer por diversos órgãos e entidades públicos, quer ao público em geral, através da sua disponibilização no sítio da internet do Tribunal de Contas, sendo a audição dos responsáveis feita antes da formulação dos “juízos públicos de censura”, o que significa que, em casos como o presente, em que não há efetivação de responsabi- lidades financeiras, o visado pelo juízo de censura fica sem possibilidade de se defender deste juízo. XII – Tendo em conta este enquadramento, tem de se concluir que os juízos de censura formulados pelo Tribunal de Contas são suscetíveis de afetar a esfera jurídica do cidadão em causa e os direitos fun- damentais ao bom nome e reputação; face ao juízo negativo público da conduta do visado à luz do regime aplicável, terá de se admitir a possibilidade de este aceder à tutela judicial, defendendo-se e

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