TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

496 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude, estando-lhe apenas vedado abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente. IV – Pronunciando-se em concreto relativamente a um caso, exclusivamente, respeitante à efetivação de responsabilidade financeira reintegratória, o Tribunal Constitucional qualificou a responsabilidade financeira como um «tipo autónomo de responsabilidade sancionatória – a financeira – o que significa que, direta e imediatamente, o princípio da legalidade penal constante do artigo 29.º, n.º 1, da Cons- tituição não se aplica no caso concreto», não havendo lugar, em consonância, à aplicação imediata ou subsidiária nem do Direito Penal nem do Direito Processual Penal, não se situando a norma sindicada dentro do âmbito de aplicação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição. V – À mesma conclusão seria de chegar no caso sub iudicio , em que se está apenas perante juízos de cen- sura; com efeito, no âmbito contraordenacional, atendendo à diferente natureza do ilícito de mera ordenação e à sua menor ressonância ética, em comparação com o ilícito criminal, é menor o peso do regime garantístico, pelo que as garantias constitucionais previstas para os ilícitos de natureza criminal não são necessariamente aplicáveis aos ilícitos contraordenacionais ou a outros ilícitos no âmbito de direito sancionatório. VI – No âmbito do recurso sob apreciação o parâmetro constitucional convocável é antes a garantia de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20.º da Constituição, que embora se traduza, prima facie , no direito de acesso a um tribunal para obter uma decisão sobre a pretensão perante o mesmo deduzida, inclui também a proteção contra os próprios atos jurisdicionais, direito que só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais; todavia, tal direito não é um direito absoluto e irrestringível, existindo um direito geral de recurso dos atos jurisdicionais, cujo pre- ciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude, estando- -lhe vedado, neste contexto, abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente. VII – Mesmo fora do âmbito do direito de defesa do arguido em processo penal, a Constituição garante o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações mate- riais) que constituam a causa primeira e direta da afetação dos direitos fundamentais dos cidadãos; no entanto, tem de se fazer uma distinção: o reconhecimento do direito à reapreciação judicial, neste caso, apenas abrange a atuação de um tribunal, individualmente considerada, que afeta de forma dire- ta um direito fundamental de um cidadão; diferentemente, quando a afetação em causa tenha origem na atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já foi objeto de controlo jurisdicional, já não seria, nesse caso, constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão de con- trolo. VIII– No âmbito de competência do Tribunal de Contas, são os processos relativos ao julgamento da res- ponsabilidade financeira (competência da 3.ª Secção) e ao exercício da fiscalização prévia (atribuído à 1.ª Secção) que têm natureza jurisdicional, apresentando a competência destinada à fiscalização concomitante e sucessiva atribuída à 2.ª Secção do Tribunal de Contas contornos específicos, pois embora comporte alguma atividade judicializada, a auditoria não constitui em si mesma uma ativi- dade jurisdicional; culminando uma fase “pré-processual” do procedimento que visa a efetivação de responsabilidades financeiras, a decisão judicial que aprova o relatório já tem sido definida como um pressuposto processual da instauração da posterior ação para efetivação das responsabilidades finan- ceiras, cujo julgamento será já da competência da 3.ª Secção; neste sentido, o julgamento das contas

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=