TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
490 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL envolvem interesses que são, muito frequentemente, não apenas diferentes, mas verdadeiramente conflituan- tes (cfr. Margarida Costa Andrade e Afonso Patrão, “A desjudicialização do processo de inventário – novas tarefas para o Notário no ordenamento jurídico português”, in Curso sobre o novo regime do processo de inven- tário, Centro de Estudos Notariais e Registais, 2009). Nessa medida, neste processo resolvem-se conflitos de interesses privados, através de decisões do notá- rio (desde a aprovação do RJPI pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março), tomadas mesmo contra a vontade de algum dos interessados na partilha: assim acontece, por exemplo, na decisão das reclamações quanto à relação de bens (n.º 3 do artigo 35.º do RJPI), na decisão de reclamações contra o mapa da partilha (n.º 3 do artigo 63.º do RJPI), no reconhecimento de dívidas não aprovadas por todos os interessados (artigo 39.º do RJPI), na aplicação da sanção civil por sonegação de bens (n.º 4 do artigo 35.º do RJPI) ou até na condenação dos interessados em multa (n.º 5 do artigo 32.º do RJPI). A intervenção do tribunal está reservada, para além da homologação da partilha (artigo 66.º do RJPI), à resolução de questões que, pela sua complexidade devam ser discutidas em ação judicial autónoma, seja porque o notário não as decidiu e remeteu as partes para os meios judiciais comuns (n.º 1 do artigo 16.º e n.º 3 do artigo 57.º do RJPI), seja porque tomou uma decisão provisória (n.º 2 do artigo 17.º e n.º 3 do artigo 36.º do RJPI). O tribunal surge ainda como instância de recurso de algumas decisões do notário – v. g. a decisão de não remeter as partes para os meios judiciais comuns (n.º 4 do artigo 16.º), o despacho deter- minativo da forma da partilha (n.º 4 do artigo 57.º do RJPI), e da reclamação da nota final de honorários e despesas (n.º 2 do artigo 24.º da Portaria n.º 278/2013, de 26 de agosto (na versão que lhe foi conferida pela Portaria n.º 46/2015, de 23 de fevereiro). Quer isto dizer que, no processo de inventário, permanece verdadeiramente em causa o recurso dos interessados a serviços de justiça, solicitando do Estado, na dimensão prestativa da função jurisdicional, a tra- mitação de um processo que ponha termo a uma situação de comunhão patrimonial e, se for o caso, resolva as controvérsias suscitadas a esse propósito. O que assume ainda mais relevância em casos, como o presente, em que o recurso ao processo de inventário é uma imposição legal, não se admitindo aos cônjuges pôr fim à comunhão por outra via (cfr. artigos 740.º do Código de Processo Civil e 81.º do RJPI). Nestes termos, em face das feições do processo de inventário, as normas que fixam o valor a cargo dos interessados devem ser orientadas pelos mesmos critérios jurídico-constitucionais que determinam o valor das custas judiciais. O facto de o processo de inventário ter, por decisão do legislador democrático, sido transferido dos Tribunais para os Cartórios Notariais não tem, do ponto de vista dos interessados, qualquer consequência na natureza dos custos que lhes cabem; mantém-se uma contraprestação pela utilização de serviços de justiça – uma taxa –, independentemente da configuração dos poderes públicos materialmente conferidos ao notário. Note-se que, ainda que perante problema de índole diversa, o Tribunal já teve oportunidade de subli- nhar que o acesso ao processo de inventário se coloca no “âmago do direito de acesso ao direito e aos tribu- nais consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição” e da centralidade das funções atribuídas ao notário no RJPI, sem paralelo face a outros agentes privados com participação no sistema de justiça: “decorrendo a atribuição de competências aos notários, para a tramitação do processo de inventário, de uma opção vincu- lativa do legislador de transferir para o setor privado competências públicas antes exercidas pelos tribunais, parece claro que os notários assumem, a este nível de intervenção, um papel substitutivo central que não é comparável com aquele que os advogados ou solicitadores no sistema de justiça, representando ou patroci- nando as partes” (Acórdão n.º 28/16). Também em relação aos intervenientes acidentais, o Tribunal acen- tuou a indissociabilidade entre a respetiva remuneração e a compressão do acesso ao direito e aos tribunais por via do custo exigido pelo serviço de justiça. Assim, no Acórdão n.º 656/14, apreciando normas relativas à remuneração de peritos em processo judicial, é referido que ““constituindo a remuneração dos intervenientes acidentais no processo um encargo do processo, o seu valor releva para o apuramento do montante devido a título de custas pela parte que vier a ser condenada no seu pagamento”; “Desta forma, qualquer aumento na
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