TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
489 acórdão n.º 803/17 pelos recorrentes: a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e a limi- tação da sua restrição pelo princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional “é, ele mesmo, um direito fundamental consti- tuindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito” (cfr. Gomes Canotilho Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 408), a que é aplicável o regime dos direitos, liberdades e garantias, por ter natureza análoga àqueles que estão enunciados no título II da Constituição (art. 17.º da Constituição), como se afirmou, entre muitos, no Acórdão n.º 301/09: “Na verdade, o Estado encontra-se constitucionalmente vinculado a uma actividade prestativa que satisfaça o direito dos cidadãos de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP). Este direito corresponde a um direito fundamental dotado da força jurídica própria dos direitos, liberdades e garantias, pelo que o princípio da proporcionalidade, sempre vigente, como princípio básico do Estado de direito, em qualquer campo de atuação estadual que contenda com interesses dos particulares, encontra aqui uma qualificada expressão aplicativa (artigo 18.º, n.º 2, da CRP)”, reafir- mando o já referido no Acórdão n.º 364/04. Quer isto dizer que as medidas que limitem o acesso aos serviços de justiça (como a imposição de cus- tas processuais elevadas) constituem uma restrição a um direito fundamental, estando a respetiva regulação submetida ao regime das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias (Lopes do Rego, “O direito funda- mental de acesso aos Tribunais e a reforma do processo civil”, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues , vol. I, 2001, p. 736). Em particular, tal compressão do direito de acesso à justiça depende de autorização constitucional, deve dirigir-se à salvaguarda de outro interesse ou direito constitucionalmente protegido, subordinar-se ao princípio da proporcionalidade, e constar de lei geral e abstrata, com efeitos não retroativos (artigo 18.º da Constituição). Em consequência, o acesso aos serviços de justiça não pode ser obstaculizado “por exigências despropor- cionadas de carácter económico impostas às partes, porque esse acesso é negado não só quando o interessado não tiver meios económicos suficientes, mas também quando ele tiver meios económicos suficientes, mas lhe for pedido, em termos de custas ou equivalente, algo de desproporcionado” (Miguel Teixeira de Sousa, “A jurisprudência constitucional e o direito processual civil”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, p. 75). Na expressão do Acórdão n.º 301/09, o direito de acesso aos serviços de justiça seria esvaziado “se ao legislador fosse dado fixar montantes de custas judiciais de tal forma elevados que perdessem toda a conexão razoável com o custo e o valor do serviço prestado. Pois, desse modo, o “custo da justiça” não poderia ser suportado, sem sacrifícios inexigíveis, pela generalidade dos cidadãos, constituindo um obstáculo insuperável ao exercício de um direito que a Constituição reconhece. Nesta pers- petiva, para satisfação adequada do direito de acesso aos tribunais, na sua dimensão prestacional, impõe-se, não apenas a remoção, através do sistema de apoio judiciário, das incapacitações causadas por insuficiência de meios dos mais carenciados para pagar taxas, ainda que de montante ajustado, mas também a fixação dessas taxas em valores não excessivamente gravosos, para o universo de todos aqueles que não estão isentos do seu pagamento ou não beneficiam das reduções previstas. Ambas as vertentes se encontram cobertas pela proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos”. 11. Embora acabe por não retirar consequências dessa afirmação no plano do controlo de proporcio- nalidade, a decisão recorrida começa por afastar o paralelismo ou a similitude entre a tributação processual a título de taxa de justiça e a fixação de honorários notariais, invocando a desjudicialização do processo de inventário. Não se vê, porém, que estejamos, por via dessa opção legislativa, perante tributo fundamental- mente distinto da taxa de justiça, porque compreendido na categoria, mais vasta, das custas processuais, onde aquela também se inscreve. Na verdade, pese embora o processo de inventário não comportar a tradicional estrutura de conflito entre um autor e réu (comporta interessados, principais e secundários), não deixa de assumir natureza pre- dominante contenciosa, constituindo espécie processual “onde se discutem e decidem questões em que se
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