TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
480 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL a um direito fundamental, estando a respetiva regulação submetida ao regime das leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias; em particular, tal compressão do direito de acesso à justiça depende de autorização constitucional, deve dirigir-se à salvaguarda de outro interesse ou direito constitucional- mente protegido, subordinar-se ao princípio da proporcionalidade, e constar de lei geral e abstrata, com efeitos não retroativos. IV – Embora a decisão recorrida comece por afastar o paralelismo ou a similitude entre a tributação pro- cessual a título de taxa de justiça e a fixação de honorários notariais, invocando a desjudicialização do processo de inventário – acabando, porém, por não retirar consequências dessa afirmação no plano do controlo de proporcionalidade –, não se vê que estejamos, por via dessa opção legislativa, perante tributo fundamentalmente distinto da taxa de justiça, porque compreendido na categoria, mais vasta, das custas processuais, onde aquela também se inscreve; pese embora o processo de inventário não comportar a tradicional estrutura de conflito entre um autor e réu (comporta interessados, principais e secundários), não deixa de assumir natureza predominante contenciosa; nessa medida, neste processo resolvem-se con- flitos de interesses privados, através de decisões do notário, tomadas mesmo contra a vontade de algum dos interessados na partilha, pelo que, no processo de inventário, permanece verdadeiramente em causa o recurso dos interessados a serviços de justiça, solicitando do Estado, na dimensão prestativa da função jurisdicional, a tramitação de um processo que ponha termo a uma situação de comunhão patrimonial e, se for o caso, resolva as controvérsias suscitadas a esse propósito, o que assume ainda mais relevância em casos, como o presente, em que o recurso ao processo de inventário é uma imposição legal. V – Nestes termos, em face das feições do processo de inventário, as normas que fixam o valor a cargo dos interessados devem ser orientadas pelos mesmos critérios jurídico-constitucionais que determinam o valor das custas judiciais; do ponto de vista dos interessados, o facto de o processo de inventário ter, por decisão do legislador democrático, sido transferido dos Tribunais para os Cartórios Notariais, não tem qualquer consequência na natureza dos custos que lhes cabem; mantém-se uma contraprestação pela utilização de serviços de justiça – uma taxa –, independentemente da configuração dos poderes públicos materialmente conferidos ao notário. VI – Não importando a desjudicialização do processo de inventário a modificação da sua substância, o custo a cargo dos interessados na partilha também não se afasta, na sua essência, do que era exigido às partes quando o mesmo processo era tramitado em Tribunal, pelo que é inteiramente convocável para a resposta a dar ao problema em apreço o lastro jurisprudencial que versou as normas de fixação da taxa de justiça, conformadas em termos similares àquela aqui em exame. VII – Sempre que se pronunciou em matérias referentes à natureza jurídica das custas judiciais e, bem assim, relativas à fixação do seu valor, a jurisprudência do Tribunal não afastou a solvabilidade constitucional, em geral, de critério normativo de fixação do montante da taxa de justiça radicado no valor da causa, enquanto padrão de aferição da correspetividade do tributo; daí que não tenham merecido censura soluções legais de tributação que, mesmo que determinadas em exclusivo por critérios de valor da ação, não conduziram, nos concretos casos em apreço, à fixação de taxa de justiça evidentemente desproporcionada; mas, por outro lado, sempre que o funcionamento do critério tributário assente no valor da ação – maxime a ausência de um teto máximo ou de mecanismos moderadores do seu cres- cimento linear em ações de maior valor – levou a uma manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado no serviço de justiça, o Tribunal considerou as normas que a tal conduziram merecedoras de censura constitucional.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=