TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
470 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Juízo de competência genérica de Caminha, em que é recorrente o Ministério Público e é recorrida A. foi proferida Decisão Sumária de não conhecimento do recurso a que foi atribuída o n.º 430/2017. 2. Notificada desta decisão, a recorrida veio da mesma reclamar para a conferência, pretendendo ver a decisão sumária substituída por outra de molde a que seja conhecido o objeto do recurso. 3. OMinistério Público, além de indicar poder questionar-se a legitimidade da recorrida para apresentar a presente reclamação, uma vez que recorrente é apenas o Ministério Público, pronunciou-se no sentido de não haver motivo para alterar a decisão sumária proferida. 4. A decisão reclamada, no que aqui releva, tem o seguinte teor: «5. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea a) , do n.º 1, do artigo 280.º da Constituição e na alínea a) , do n.º 1, do artigo 70.º da LTC tem como um dos seus pressupostos o facto de a decisão recorrida ter recusado efetivamente a aplicação de certa norma ou dimensão normativa relevante para o fundamento normativo do aí decidido. Tal não ocorre, por exemplo, quando a decisão judicial utiliza argumenta- ção jus-constitucional como um simples obiter dictum , um argumento ad ostentationem , quando a desaplicação da norma alegadamente inconstitucional não tem consequências decisivas para a ratio decidendi da decisão recorrida, ou, de uma forma geral, quando não conduz a uma verdadeira desaplicação de uma norma. Ora, é certo que no requerimento de interposição de recurso apresentado pelo Ministério Público, nos termos do disposto na alínea a) , do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, se qualifica a sentença recorrida como sendo uma decisão de recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, da qual cabe recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional de acordo com o prescrito pela Constituição e pela lei. Sucede, porém, que no enunciado formal da sentença recorrida não se encontra, em parte alguma, a afirmação de tal recusa. A sentença começa por referir que «a Autora não logrou fazer a prova, versus reconhecimento, da sua propriedade privada sobre a parcela do terreno em causa» (fls. 148, verso), passando depois a conhecer dos pedidos relativos à apreciação da constitucionalidade. Nesse âmbito, o tribunal a quo refere jurisprudência do Tribunal Constitucional (em especial os Acórdãos n. os 187/01 e 326/15) e posições doutrinárias relativamente à proteção da propriedade privada, mesmo quando esta se localize em domínio público, acabando por decidir «reconhecer ou declarar a inconstitucionalidade das normas previstas nos arts. 2.º, 3.º, 4.º, 11.º, n.º 2, 12.º, 15.º, n. os 2 e 5, da lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, quando interpretados no sentido de que a classificação de certos bens como de domínio público implica a sua automática transferência para tal domínio, independentemente de justa indemniza- ção». No entanto, esta conclusão apenas acarretaria consequências no caso se a autora tivesse demonstrado ser pro- prietária do bem em causa. Como tal não ocorreu, de acordo com a decisão a quo, da alegada inconstitucionalidade referida na sentença não resulta a desaplicação de nenhuma norma ou uma consequência jurídica concreta para o processo. A argumentação relativa à alegada inconstitucionalidade da questão normativa em causa não releva para a situação da autora, pois esta não logrou demonstrar o seu direito de propriedade. Nenhum preceito ou norma são desaplicados ao caso objeto do processo. O tribunal recorrido não procedeu, portanto, à efetiva desaplicação da alegada norma inconstitucional, não se cumprindo este requisito legal para a admissão do recurso. 6. Não se cumprindo este requisito legal para a admissão do recurso interposto ao abrigo da alínea a) , do n.º 1, do artigo 70.º da LTC resta, então, decidir em conformidade, não sendo possível conhecer do recurso».
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