TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
457 acórdão n.º 772/17 ou a inobservância de regras de higiene, contraordenações puníveis com coima até 2 493,99 euros, notando-se que, neste caso, é manifesta a inutilidade do uso do livro de reclamações para que o consumidor possa, com eficácia, denunciar a situação (a constatação da falta de requisitos ou de higiene depende de exame a efetuar com brevidade não compatível com o prazo que o prestador de serviços tem para enviar a reclamação à entidade competente). O princípio da proporcionalidade que vem consagrado no artigo 18.º da CRP e que determina que eventuais restrições de direitos apenas se justificam na medida necessária à salvaguarda de outros direitos, é uma decorrência do mais lato princípio da igualdade previsto no artigo 13.º do mesmo diploma constitucional. E o princípio da igualdade determina tratamento igual de situações iguais e tratamento desigual de situações desiguais, o que já encerra uma ideia de proporcionalidade, de ponderação do que efetivamente é igual e merece idêntico tratamento e do que é desigual e merece tratamento diferenciado. A resolução do conflito entre os direitos do consumidor e o direito à iniciativa económica privada (artigos 60.º e 61.º da CRP) deve partir do pressuposto de que nenhum deles pode ser objeto de perigo inutilização prática. Tal determina que as sanções estipuladas para a violação dos direitos do consumidor não possam ser de tal modo one- rosas que ponham em perigo o direito ao exercício da atividade económica que esteja em causa a não ser em casos de extrema gravidade, o que está fora do horizonte de uma infração isolada desta natureza a que tendencialmente serão aplicáveis coimas próximas do limite mínimo previsto. E estamos, no caso, perante o exercício de atividade de restauração e bebidas que, quer seja exercida em nome individual, quer o seja em nome coletivo, está povoada de estabelecimentos de pequena dimensão e baixos rendi- mentos. E no cotejo das situações estritamente ligadas ao direito à iniciativa económica privada (já sem ponderação simultânea dos direitos do consumidor) torna-se claro que as coimas terão de ter uma latitude que permita exercer com justeza e adequação o princípio da igualdade, de forma que o sacrifício imposto pela coima não só não consti- tua um obstáculo intolerável ao exercício da atividade nos casos em que o não deva ser (para esse efeito existem as sanções acessórias) como seja tendencialmente igual para estabelecimentos de pequena e grande dimensão. Se coima de limite mínimo fixado em € 15 000 manifestamente não respeita a proporcionalidade no cotejo com o direito dos consumidores, de igual modo também o não contempla, no cotejo com outras infrações de natureza económica. E se a função de defesa do direito dos consumidores do livro de reclamações pode justificar sancionamento em alguma medida mais gravoso do que a prevista para infrações também de natureza contraorde- nacional, não justificará certamente que a aplicação de uma coima possa constituir, em casos de pequena gravidade, um sério obstáculo à continuação do exercício da atividade. Na análise do princípio da proporcionalidade, não será despiciendo considerar que atualmente o salário mínimo nacional é de 475 euros mensais, quantia que, segundo o Estado, será a estritamente necessária para a subsistência das pessoas e deveria igualmente constituir um ponto de referência para o estabelecimento de sanções. O princípio da proporcionalidade cumprir-se-á em primeiro lugar adequando as sanções à realidade económica nacional e não a qualquer outra realidade supranacional. A consideração de que o segmento normativo em causa é inconstitucional, não conduzirá, porém, à pretendida absolvição da arguida. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros em Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, em anotação ao artigo 282.º, pág. 827, quando a validade da norma revogatória do direito anterior não é afetada pela incons- titucionalidade, como é o caso (está apenas em causa a inconstitucionalidade do limite mínimo estabelecido para coima e não a previsão como infração contraordenacional da obrigação de facultar o livro de reclamações) “a solução se há de buscar nas restantes normas do ato normativo parcialmente inconstitucional e do ordenamento jurídico em vigor”. Ou seja, o limite mínimo da coima aplicável deverá ser encontrado para a infração simples de violação da obrigação de facultar o livro de reclamações (sem ter ocorrido intervenção da entidade policial). Nesse caso, prevê o artigo 9.º, n.º 1, alínea a) , do Decreto-Lei n.º 156/2005 coima mínima no valor de € 3 500.
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