TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
456 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 156/2005, o livro de reclamações constitui um dos instrumen- tos que tornam mais acessível o exercício do direito de queixa ao proporcionar ao consumidor a possibilidade de reclamar no local onde o conflito ocorreu. Consideramos esta medida de primordial importância para a defesa dos direitos do consumidor, já não conside- ramos que, com coimas deste montante, se possa ‘incentivar e encorajar a sua utilização’ (preâmbulo do diploma). Diremos mais, se o consumidor tiver consciência destes montantes que pendem sobre a ‘cabeça’ das entidades e estabelecimentos obviamente que se retrairá no exercício do direito que a lei lhe confere. No caso o legislador olvidou princípios constitucionais. Ao legislador são cometidos limites que deverão ser observados, ao mesmo tempo que outros limites decorrem da própria Constituição e do Direito em geral. Por conseguinte, o poder discricionário nunca poderá ser entendido como uma carta em branco, mas como uma ordem para a realização da justiça na situação concreta. É necessário respeitar o princípio constitucional da proporcionalidade. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já exigia expressamente que se observasse a proporcionalidade entre a gravidade do crime praticado e a sanção a ser aplicada: ‘a lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito’ (art.15). No entanto, o princípio da proporcionalidade é uma consagração do constitucionalismo moderno. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (art.º 18.º, 2 CRP). ‘Admitido que um meio seja ajustado e necessário para alcançar determinado fim, mesmo neste caso dever perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à ‘carga coativa’ da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de ‘medida’ ou ‘desmedida’ para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.’ (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª edição, pág. 316). A primeira das ‘entidades públicas’ subordinadas aos direitos liberdades e garantias é o Estado (em sentido estrito), quer enquanto legislador, quer enquanto administração, quer enquanto juiz. O primeiro não pode emitir normas incompatíveis com os direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade…O terceiro está obrigado a decidir o direito para o caso em conformidade com as normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias e a contribuir para o desenvolvimento judicial do direito privado através da aplicação direta dessas mesmas normas.’ (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , pág. 383). Não conhecemos na legislação rodoviária, cuja violação dá origem a centenas de mortes anualmente, sanção que se aproxime do referido limite mínimo. Não conhecemos na pequena e média criminalidade em que são postas em causa a integridade física, a honra, a propriedade etc. decisões condenatórias que se aproximem do referido limite mínimo. É irrelevante, nos termos que deixamos expostos, a chamada à colação do preceituado no n.º 3 do Decreto-Lei n.º 433/82 (atenuação especial mínimo € 7 500) ou o preceituado no art. 88.º do mesmo diploma (pagamento em prestações). Concluímos, assim, pela inconstitucionalidade do normativo citado pela ofensa do princípio da proporciona- lidade.’ (…). Mas para melhor salientar a desproporção entre as finalidades pretendidas e as coimas previstas poderá ainda efetuar-se um exame comparativo entre estas e as aplicáveis a delitos contraordenacionais de natureza económica, alguns deles diretamente relacionados com as catividades de prestação de serviços de alimentação e bebidas, cujas coimas variam entre o mínimo de € 24,94 e o máximo de € 4 987,98 (cfr. Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro). Será por demais evidente a desproporção existente entre a penalização prevista para a falta de cumprimento da obrigação de facultar o livro de reclamações que apenas se destina a facilitar o exercício pelo consumidor do seu direito de reclamação/queixa, por muito importante que este seja, (tendo outras formas de exercício) e a violação de regras da atividade económica que está em causa, como seja a venda de produtos alimentares com falta de requisitos
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