TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
428 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL BB. Note-se que, como pugnado nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 42/14 e 583/09, a referida Circular não tem força vinculativa heterónoma para os particulares, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutriná- rio que porventura possua, pelo que a legalidade ou ilegalidade da Circular n.º 7/2004 não é suscetível de se repercutir, sem mais, nos atos tributários de autoliquidação praticados pelos sujeitos passivos com base nelas, ou seja, não permite que o sujeito passivo afaste o ónus que sobre si impende nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do EBF; CC. Com efeito, pretendendo o sujeito passivo que os encargos financeiros sejam fiscalmente aceites na totalida- de, compete-lhe demonstrar, maxime por força do princípio constitucional da capacidade contributiva, os pressupostos, positivos e negativos, de tal aceitação, mormente atenta a sua escolha, num primeiro momento, pelo método constante da Circular n.º 7/2004, não podendo, nesta mesma medida, aceitar-se que passe a incumbir à AT o ónus da prova, na sequência da evocação da ilegalidade da Circular n.º 7/2004 pelo sujeito passivo que, livremente a adotou; DD. De facto, salvo melhor opinião, parece-nos difícil de entender que o legislador, que pretendeu com previsão consagrada no artigo 31.º, n.º 2 do EBF (artigo 32.º na redação à data aplicável) obviar à consideração como custos dos montantes que não contribuíram para obtenção de resultados sujeitos a tributação, aceitasse encar- gos apresentados pelo próprio sujeito passivo como não tendo relação com aquisição de participações, sem lhe exigir comprovação adequada da causa dos encargos, pois que a tal obsta o princípio constitucional da capacidade contributiva já evocado. EE. Como pugnado no acórdão n.º 162/04 do Tribunal Constitucional, um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real; FF. Pelo que, é de concluir que o legislador visou a real afetação dos encargos financeiros e sua distribuição pela aquisição das participações sociais e outros ativos, o que justificará a eventual não aceitação da qualificação dada pelo sujeito passivo se não estiver fundamentada em prova adequada, fundamental para que se possa avaliar da existência de neutralidade entre rendimentos ou ganhos isentos e os custos incorridos com os mesmos; GG. Neste sentido, e em suma, a opção pelo sujeito passivo, num primeiro momento, pelo método preconizado na Circular n.º 7/2004, não legitima depois que este mesmo sujeito passivo, já num segundo momento, por via do repúdio de tal método inscrito na Circular (por passar a entender que a mesma é ilegal), afaste tout court o ónus da prova que sobre si impendia desde início nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do EBF [isto é, a demons- tração de que os encargos financeiros não respeitam a financiamentos obtidos (direta ou indiretamente) com a aquisição de participações sociais], sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da CRP; HH. Sendo que, salvo melhor opinião, o entendimento de que tal ónus da prova passa a estar acometido à AT, só porque é esta a responsável por tal Circular ( maxime quando a mesma não tem efeito vinculativo para os par- ticulares), vem igualmente eximir, in toto , o sujeito passivo do ónus da prova que sobre si impendia, bastando evocar, junto da AT, a ilegalidade da Circular n.º 7/2004, comungando, consequentemente, tal entendimen- to, nessa medida, da violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da CRP; II. Nestes termos, importa pois que se declare que é inconstitucional o artigo 32.º, n.º 2 do EBF quando interpretado no sentido de que, sendo inaplicável a Circular n.º 7/2004 (com base na qual o sujeito passivo apurou os respetivos encargos financeiros não dedutíveis do exercício), todos e quaisquer encargos finan- ceiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais são dedutíveis, independentemente de prova promovida por aquele sujeito passivo para o efeito, porquanto tal é violador do princípio da capacidade contributiva, ínsitos no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, e nos mais de Direito que mui doutamente este Tribunal Constitucional suprirá, deve: i) o presente recurso ser julgado procedente, no segmento respeitante à questão mencionada nos pontos 3 e 6 do requerimento de recurso, nos termos ora alegados, com todas as consequências legais;
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