TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
426 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL C. Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , Coimbra, 1987, pág. 299); L. Assim sendo, não só não se antevê a existência de fundamento válido e sólido que apoie a distinção acima referida e consequentemente a conclusão de que só são visados na referida norma legal os encargos financeiros relativamente aos quais seja possível estabelecer uma afetação direta e específica com a aquisição das partes de capital, como aliás, tal entendimento é, inclusive, contraditório com a preocupação de balanceamento e neutralidade propositadamente introduzida pelo legislador na Lei do Orçamento do Estado para 2003, com o artigo 31.º, n.º 2 do EBF (à data dos factos, artigo 32.º), contradição necessariamente ampliada pela obriga- toriedade de conformação desse regime com os referidos princípios constitucionais de igualdade e capacidade contributiva; M. É que, atendendo à adequada hermenêutica do regime aplicável às SGPS aqui em causa, conformada pelos princípios constitucionais mencionados, não pode senão entender-se que o regime pretende (deve pretender), sem dúvida, obstar a que todos os custos pertinentes, que estejam relacionados direta ou indiretamente com a obtenção de tais rendimentos, possam ter relevância em termos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo que os obteve, só assim se alcançado o desejado matching, em respeito pelos princípios constitucionais evocados; N. Efetivamente, aplicando-se o regime das SGPS aqui em causa, simultaneamente às “ holding puras” e às “ hol- ding mistas”, a “contrapartida” formulada pelo legislador, qual seja, a exclusão da dedução dos encargos finan- ceiros incorridos com essas participações, deve operar em igual medida em ambas, independentemente de umas, em regra, suportarem encargos financeiros com a obtenção de financiamento específico e diretamente relacionado com a aquisição de partes de capital e outras, em regra, os suportarem com a obtenção de finan- ciamento indireto (porquanto igualmente e indistintamente relacionado com outras atividades prosseguidas), pois, neste aspeto, não há fundamento racional e objetivo para uma discriminação fiscal positiva destas últi- mas, isto é, das SGPS “mistas”; O. Aliás, pugnando-se no sentido da interpretação que se reputa de inconstitucional, uma SGPS nessa situa- ção (com encargos financeiros suportados com a obtenção de financiamento, ainda que não especifica e diretamente, relacionado com a aquisição de partes de capital), seria ainda alvo de uma discriminação fiscal positiva face às empresas que o não são, pois poderia, então, beneficiar, neste caso, de isenção de imposto nos dividendos e nas mais-valias realizadas com a alienação das partes de capital não deixando de deduzir encargos realmente originados com a respetiva aquisição, ainda que formalmente imputados a outra causa; P. Pelo que, em suma, afronta o princípio da igualdade e da capacidade contributiva admitir que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF apenas comporta a identificação dos encargos financeiros não dedutíveis por via da adoção de um método de afetação específica e com isso implicitamente aceitar que o legislador pretendeu conceder tratamento desigual às SGPS que funcionam como holdings puras ou como holdings mistas, sendo que é nestas últimas que a afetação específica e direta dos encargos financeiros à aquisição das partes de capital é suscetível de oferecer maiores dificuldades práticas; Q. Por outro lado, o princípio constitucional de tributação pelo rendimento real, enquanto decorrência do princípio da capacidade contributiva, é também posto em crise pela inobservância, na sua integralidade, dos parâmetros que conformam o regime fiscal das SGPS, ao admitir que os encargos financeiros associados às partes de capital detidas por período superior a um ano sejam dedutíveis aos rendimentos/ganhos de ativida- des, desenvolvidas por aquelas sociedades, sujeitas ao regime geral do IRC; R. Devendo a tributação ser feita obedecendo à efetiva capacidade contributiva revelada pelo resultado apurado na contabilidade e corrigido de acordo com os preceitos da lei fiscal, pelo que a não correção dos encargos financeiros associados à aquisição das partes de capital detidas por período superior a um ano, seja direta ou indiretamente, não permite alcançar um resultado fiscal conforme às determinações legais e aos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva; S. Nestes termos, importa pois que se declare que é inconstitucional o artigo 32.º, n.º 2 do EBF quando inter- pretado no sentido de que a exclusão da dedução dos encargos financeiros se circunscreve aos apurados especí-
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