TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
42 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 199.º Com efeito, note-se que, com a fixação do enquadramento legislativo da opção de venda das participa- ções dos municípios, não se ignora que – como sucederia em qualquer outro procedimento expropriatório con- forme com a Constituição – as novas entidades concessionárias responsáveis por adquirir essas participações podem não alcançar um consenso imediato quanto à determinação quantitativa do valor da alienação – a determinação do valor suficiente para o caráter justo da compensação constitucionalmente exigida –, implicando uma negociação que, em caso de insucesso, poderia redundar num litígio judicial. 200.º Mas, como bem se compreende, o hipotético surgimento de um tal litígio em nada prejudica o reconhe- cimento de que se encontra cumprida a exigência indemnizatória prevista na parte fina1 do n.º 2 do artigo 62.º da Constituição: é evidente que não são infrequentes os casos em que, por se destinar a compatibilizar pretensões muito conflituantes, um procedimento expropriatório não permite atingir um encontro imediato entre as pre- tensões da entidade expropriante e do proprietário expropriado, precisando-se da pronúncia suprapartes de uma autoridade de matriz jurisdicional que restaure a paz jurídica. [...] 204.º Por todos estes motivos, deve considerar-se improcedente a invocada inconstitucionalidade por violação do direito à propriedade privada. iii. Da suposta violação da garantia da autonomia local 205.º A este propósito, cabe realçar que do processo de reorganização dos sistemas multimunicipais não resulta qualquer redução do papel dos municípios: estes, se assim o desejarem, mantêm a sua participação social na con- cessionária, enquanto acionistas minoritários, com os mesmos direitos e deveres que tinham anteriormente. 206.º De resto, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «a Constituição é totalmente omissa quanto à definição concreta das matérias de competência autárquica, excluída a indicação do artigo 65.º, n.º 4 (habitação e urbanismo)» (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, Coimbra Editora, 2010, p. 724). [...] 208.º De resto, refira-se que a Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, apenas refere, no artigo 23.º, n.º 2, alínea k) , que os municípios têm atribuições no domínio do saneamento básico – sem, todavia, concretizar em que con- sistem estas. Cremos ser razoável supor que esta norma se refere, sobretudo, ao saneamento em baixa e não aos sistemas em alta – como o são os sistemas multimunicipais –, que envolvem investimentos em áreas que extravasam os territórios de cada município e congregam diversos interesses municipais e de âmbito nacional. 209.º É, pois, evidente que o exercício, pelos municípios, das suas atribuições em matéria de saneamento, não passa exclusiva ou necessariamente pelos sistemas multimunicipais, nem dele resulta ou emana qualquer direito a dispor sobre sistemas que, conforme resulta do artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 92/2013, são da titularidade do Estado e apenas deste. 210.º Com efeito, o caráter multimunicipal dos sistemas em causa, envolvendo áreas e interesses que transcen- dem o território dos diversos municípios, permite afirmar que não estamos aí perante uma matéria incluída nas atribuições dos municípios em resultado da autonomia local constitucionalmente garantida; pelo contrário, esta- mos perante uma matéria em que se torna necessária «uma harmonização ou concordância prática entre o princípio da descentralização e o princípio da unidade de ação na prossecução do interesse público» (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra Editora, 2007, p. 456). 211.º Pelo contrário, sugerir que a eficácia do ato legislativo que extingue a sociedade depende da autorização dos mesmos municípios é uma tese que coloca em perigo a manutenção de um Estado unitário cujos interesses nacionais não são suscetíveis de fragmentação pela competência decisória de órgãos locais (n.º 1 do artigo 6.º da Constituição), conforme já se referiu. 212.º A operatividade desses atos legislativos não pode ficar dependente de uma pronúncia vinculativa das assembleias gerais das empresas abrangidas. Por isso, nenhum dos atos legislativos envolvidos na agregação de siste- mas multimunicipais depende de deliberações das assembleias gerais das entidades concessionárias desses sistemas. 214.º A norma em crise não colide, portanto, com as exigências constitucionais de proteção da autonomia decisória das autarquias, visto que, no caso de matérias em que se nota uma sobreposição entre o interesse nacional
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