TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

417 acórdão n.º 749/17 “[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque inte- grantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o caráter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz cons- titucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sis- tema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavelmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garan- tir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis.” Como resulta do citado aresto, não cabe ao juiz constitucional censurar “a possível incongruência ou menor racionalidade que a solução possa, face à lógica do sistema, apresentar” e, assim, “não se vê como é que de tal estado de coisas possa decorrer a violação do disposto no artigo 13.º, n.º 1, da CRP”. Isto é, a eventual menor racionalidade da solução não é constitucionalmente censurável, não constituindo a solução em causa, um “tratamento desrazoavelmente diverso (isto é, não justificável à luz da ratio que o próprio regime prosse- gue) de certas e determinadas posições jurídico-subjetivas” (Acórdão n.º 546/11). 10. Naturalmente, e ao contrário do que pretende o recorrente, também não se mostra constitucional- mente exigível que, na relação jurídica tributária, o Estado e o contribuinte estejam em posição absoluta- mente paritária, em caso de incumprimento, tendo, desde logo em conta a evidente distinção da sua posição. Com efeito, o Estado assume uma posição distinta da do sujeito passivo, o contribuinte, pelo que, de acordo com a dialética do sistema fiscal, se pode justificar uma diferenciação de tratamento das suas posições no que aos juros devidos diz respeito. Ao Estado, enquanto sujeito ativo da relação jurídica tributária, é atribuído o poder de criar impostos. O objetivo primário do sistema fiscal é o da “satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras enti- dades públicas” (artigo 103.º, n.º 1, da CRP). Sendo, embora, certo que constitui, também, incumbência do Estado a “repartição justa dos rendimentos e da riqueza”, sendo pautada por um propósito de justiça social, o que esta exige é que, relativamente aos contribuintes, seja dado um tratamento igual do que é igual e desigual do que não é igual. O que, já o vimos, não é posto em causa pela norma em apreciação. Neste sentido, também não é merecedora de tutela a expectativa da recorrente, de que o princípio da igualdade opere do mesmo modo perante interesses e objetivos distintos que se coadunam com as evidentes diferenças das posições dos sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária. Pelo exposto, conclui-se que o sentido interpretativo em apreciação não viola o princípio da igualdade, da proporcionalidade ou qualquer outro dos parâmetros constitucionais invocados pela recorrente.

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