TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
411 acórdão n.º 749/17 I. Além de que esta pseudojustificação da constitucionalidade de tratamentos opostos para realidades funcional- mente idênticas nem sequer cobre o segundo tipo de juros cobrado na relação jurídico-tributária pelo Estado ao contribuinte: o juro de mora, que ao contrário do compensatório não íntegra a dita “divida de imposto”. J. A norma constante da alínea g) [alínea i) , desde 2010] do artigo 20.º, n.º 1, do Código do IRC, na interpre- tação (da AT e da decisão arbitral) de que impõe a sujeição a IRC dos juros indemnizatórios atribuídos ao contribuinte pela cobrança ilegal de impostos ou pelo atraso (em contravenção do prazo previsto na lei) no reembolso de impostos cobrados em excesso, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade (numa segunda perspetiva ou dimensão), do princípio da tributação, fundamentalmente, do rendimento real e, em conjugação com o princípio da igualdade e da tributação do rendimento real, do princípio da capacidade contributiva, consagrados ou que se retiram dos artigos 2.º (Estado de direito democrático, com o inerente princípio da igualdade), 13.º (princípio da igualdade), e 104.º, n.º 2, da Constituição. L. A dimensão do princípio da igualdade que aqui está em causa e a tratada no acórdão do Tribunal Consti- tucional n.º 170/03, e reconduz-se ao plano da igualdade entre quem não foi lesado e, consequentemente, manteve o que sempre teve disponível ( v. g. , para consumir ou investir), M. e aquele que, tendo o azar de ser lesado, só mais tarde é ressarcido ou restituído: só mantendo o poder aquisiti- vo daquilo de que este último foi desapossado lá atrás no tempo, o que por sua vez se consegue com a referida correção monetária, a situação de ambos se equivalerá; e não sendo o primeiro tributado pelo que já tem, não deve o segundo ser tributado, ainda que apenas parcialmente, sobre aquilo que representa mera reintegração do que já tinha: não há capacidade contributiva nova, novo rendimento – donde também a violação do prin- cípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, por oposição a ficcional. N. Dito de outro modo, se devolvem hoje a A os meios monetários que lhe haviam ilicitamente (ou em excesso) retirado hoje também, devolvem-lhe realmente o que lhe haviam retirado, uma vez que o poder aquisitivo (para consumo ou investimento, por exemplo) desses meios monetários, desse património, se mantém o mesmo. O. Pelo contrário, se retiram hoje a B, no ano N, 100, e the devolvem 100 também mas só em N+3, não lhe devolvem o mesmo que lhe haviam retirado: devido à erosão monetária, o poder aquisitivo de 100 em N+3 não é o poder aquisitivo que esses mesmos 100 tinham lá atrás no ano N (quando o desapossamento ilícito ocorreu). P. Donde que é tratar o igual igualmente, assim se preservando a igualdade, afastar também da tributação (IRS), ou do net result a sujeitar a tributação (IRC), o juro cuja função plausível (para usar a linguagem do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 170/03) seja a de preservar essa equivalência de poder aquisitivo (de patrimó- nios em termos reais, antes da subtração ou dano e depois da sua reconstituição). Q. E quando o ilícito se não reporte à cobrança em si (que é o que está em causa na decisão recorrida: liquidação e cobrança ilegais, anuladas judicialmente), mas antes se resuma à omissão de devolução no prazo legal do imposto pago por conta em excesso, não se vê que a resposta possa ou deva ser diferente também no que respeita a este segundo prisma de avaliação do respeito pelo princípio da igualdade (quanto ao primeiro dos prismas, supra analisado também, nem é equacionável duvidar da ocorrência, na mesma medida, de uma situação de flagrante desigualdade com o tratamento dos juros na situação inversa em que o devedor dos juros na relação tributária seja o contribuinte). R. Numa palavra, o juro aqui em causa nada acrescenta, nenhum rendimento constitui, limita-se a auxiliar a missão de repor o que antes existia, sendo plausível esta conclusão quando o que em si mesmo é restituído (imposto em excesso) não tem (neste caso e noutros do género) em conta a erosão monetária (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 170/03). S. E, acrescente-se, há uma radical diferença entre um ato voluntário de aplicação de capitais e uma privação involuntária de capitais (que é a situação aqui em causa): neste último caso, não fora a privação o lesado pode- ria ter investido, mas também poderia ter consumido, e consumido ou investido lá atrás no tempo quando o poder aquisitivo era o que hoje (quando finalmente é ressarcido) já não é, ou por outro, só será (só se manterá) se se adicionar ao capital ressarcido a compensação (o juro) pela erosão monetária.
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