TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
405 acórdão n.º 728/17 contra-ordenacional e que se espelha em práticas que desconsideram o papel do arguido como autêntico sujeito processual, menosprezam o princípio da presunção de inocência ou enfraquecem o princípio da proibição da auto- -incriminação. Nada, porém, que por si só signifique uma incompatibilidade de base entre o direito das contra- -ordenações e as necessidades sancionatórias dos sectores da regulação; antes constituindo sinal da conveniência da criação de estruturas institucionais e de modelos de funcionamento que matizem aquela vocação inquisitória em favor de soluções de cariz acusatório» (cf. Nuno Brandão, Crimes e Contra-Ordenações… , ob. cit., p. 485). «Correndo o risco da injustiça própria de qualquer generalização, a impressão que frequentemente transparece tanto da instrução do processo, como dos termos em que ao arguido é permitido exercer o seu direito de audiên- cia é que o processo é um pró-forma que é necessário cumprir para que possa finalmente ditar-se uma decisão já tomada desde início» (cf. Nuno Brandão, Acordos sobre a decisão administrativa , 2011, p. 599). «O verdadeiro contraditório pressupõe necessariamente um árbitro, perante o qual a autoridade da investiga- ção passe a ocupar a posição de simples parte, contraposta ao investigado segundo regras formais que tendam a assegurar uma ao menos aproximada igualdade de armas. (…) Um processo que só conheça esse debate, e em que o investigador, por um lado, seja parte do debate, e por outro lado, juiz dos resultados dele, não será um processo contraditório: será o que se chama (num dos sentidos do termo) processo inquisitório, ou inquisitorial (cf. José António Veloso, «Boas intenções, maus resultados: Notas soltas sobre investigação e processo na supervisão finan- ceira», Revista da Ordem dos Advogados, Ano 60, 2000, p. 84). Não estando em causa a apreciação da constitucionalidade das normas processuais que permitem a natureza inquisitória do processo contraordenacional, não poderá deixar-se, contudo, de constatar que esta realidade frisa ainda mais a importância do direito à tutela efetiva do arguido, no que diz respeito à garantia do acesso aos tribunais e ao princípio da presunção de inocência. E a aplicação do princípio da presunção de inocência no processo contraordenacional, dada a natureza jusfundamental do princípio e a sua essencialidade para o Estado de direito democrático, não pode variar de intensidade consoante o poder económico maior ou menor do arguido, podendo apenas ser um valor ponderável e suscetível de restrição, em função do peso de outros direitos fundamentais em conflito (pense-se por exemplo, na necessidade de proteger uma criança, num processo tutelar cível, de um progenitor indi- ciado por crime de abuso sexual de crianças, mas ainda não condenado), questão que não está em causa no presente processo e noutros deste tipo, pois a celeridade ou a eficácia, apesar de serem valores com proteção constitucional, não constituem manifestamente valores equiparados à presunção da inocência. Pelo exposto, teria também proferido juízo de inconstitucionalidade material da norma extraída do artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, segundo a qual a impugnação judicial de decisões da Entidade Reguladora da Saúde que apliquem coima tem, em regra, efeito devolutivo, estando o efeito suspensivo condicionado à demonstração do prejuízo considerável causado pela execução da decisão e à prestação de caução, em substituição da coima e de montante equivalente ao desta, independentemente da sua disponibilidade económica. – Maria Clara Sottomayor. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida quanto ao juízo de inconstitucionalidade e respetiva fundamentação [cfr. II, 12.1 e 13 e III, 14, a) ] desde logo na medida em que os Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), em que se insere a norma sindicada (artigo 67.º, n.º 5), foram aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, o qual foi aprovado também com expresso fundamento na Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, que pre- viu a adaptação dos estatutos das entidades reguladoras existentes, incluindo a ERS, ao disposto na lei-qua- dro das entidades reguladoras [cfr. artigo 3.º, n.º 1, e n.º 3, alínea i) ] – prevendo tal lei-quadro expressamente o exercício de poderes sancionatórios [cfr. em especial artigos 40.º, n.º 3, alíneas c) e d) e 43.º] e admitindo-se
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