TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

404 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de punição e não com o ramo de direito em que se pune. A mesma privação ou limitação de direitos pode ser o efeito quer de sanções penais, quer de sanções disciplinares».    Acórdãos mais recentes, todavia, vieram atribuir ao legislador um poder de conformação mais aberto (Acórdãos n. os 446/97 e 659/06) na concretização dos princípios da constituição penal, quando está em causa o direito contraordenacional. É o caso do Acórdão n.º 128/10, que não julgou inconstitucional, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da CRP, o artigo 6.º, n.º 1, do RGIT, quando interpretado no sentido de a expressão “quem agir voluntariamente como titular de um órgão de uma sociedade” abranger o administrador de facto , afirmando que «as considerações expendidas a propó- sito da interpretação de normas do direito penal clássico não são susceptíveis de uma transposição acrítica para o direito penal tributário». E ainda o caso do Acórdão n.º 85/12, que nega a aplicação do princípio da tipicidade das normas penais ao direito das contraordenações a propósito de uma norma contraordenacional prevista no Código de Valores Mobiliários, com a seguinte fundamentação: «Importa efetivamente relembrar que o Tribunal Constitucional tem constantemente sublinhado “a diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções” entre o ilícito contraordenacional e o ilícito penal, o que justifica que os princípios que orientam o direito penal não sejam automaticamente aplicáveis ao direito de mera ordenação social. É o que resulta, por exemplo, do Acórdão n.º 344/93 (publicado in Diário da República , II Série, de 11-08- 1993), do Acórdão n.º 278/99 (disponível no site do Tribunal Constitucional) e do Acórdão n.º 160/04, que subli- nhou a “diferença dos princípios jurídico-constitucionais que regem a legislação penal, por um lado, e aqueles a que se submetem as contraordenações”. Diferença, esta, que cobra expressão, designadamente, na natureza adminis- trativa (e não jurisdicional) da entidade que aplica as sanções contraordenacionais”. A mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional, precisamente a propósito da aplicação de contraordenações pela CMVM, reafirmou essa orientação, conforme resulta, por exemplo, do Acórdão n.º 537/11 (disponível no site do Tribunal). É assim bem certo que a exigência de determinabilidade do tipo predominante no direito criminal não opera no domínio contra-ordenacional» Conclui-se desta jurisprudência, portanto, que os princípios da constituição penal não podem ser inte- gral e irrestritamente transpostos do domínio penal para o contraordenacional, e que deve proceder-se a uma atividade interpretativa destinada a adequar o seu alcance e conteúdo às especificidades do direito de mera ordenação social.  Contudo, no contexto da norma aqui em causa, a crescente complexidade dos tipos contraordenacio- nais e a crescente gravidade das sanções, bem como a estrutura inquisitória dos processos contraordenacio- nais, em que a entidade administrativa que investiga é a mesma que julga e decide, coloca-se com particular acuidade a importância da garantia do recurso. Esta garantia é um verdadeiro direito de ação, pois não se refere a uma decisão judicial, mas a uma decisão administrativa, proferida por entidade administrativa, sendo exigível, para que o direito à tutela efetiva e o princípio da presunção de inocência sejam respeitados, que o regime de recurso e de acesso ao tribunal não sofra restrições excessivas ou desproporcionadas. No moderno direito contraordenacional, a necessidade de aplicação dos princípios da constituição penal faz-se sentir com maior pertinência do que no direito contraordenacional clássico, visto como um mero ilí- cito de desobediência à Administração, de menor gravidade do que o ilícito penal e punido com sanções mais leves do que as penais. É o que se verifica nos domínios económicos e financeiros sujeitos a supervisão das entidades reguladoras, em que as coimas podem ascender a valores na ordem dos milhões de euros e as sanções acessórias podem ser fortemente restritivas da liberdade económica e profissional dos condenados. A este propósito, a doutrina tem partilhado as seguintes preocupações: «Partilhamos, isso sim, as preocupações aqui e ali suscitadas quanto aos termos como as nossas entidades reguladoras frequentemente exercem os seus poderes de processamento contra-ordenacional, representativos de um inaceitável exacerbamento da matriz inquisitória que é conatural à fase administrativa do sistema processual

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