TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

403 acórdão n.º 728/17 constituem um crime económico, assumindo a diferença entre direito de mera ordenação social e direito penal uma natureza meramente formal. A elevação do valor das coimas e a severidade das sanções acessórias cominadas foram os instrumentos utilizados pelo Estado para obter a eficácia preventiva, geral e especial, das sanções, dirigidas a agentes eco- nómicos com atividades económicas de grande dimensão e que movimentam gigantescos fluxos financeiros. Os interesses económico-materiais vitais da sociedade contemporânea encontram-se agora radicados naqueles domínios dos serviços de interesse económico geral e do sistema económico-financeiro, em que a livre concorrência desempenha um valor crucial.  A evolução do direito contraordenacional, a par da expansão do direito penal a novos bens jurídicos, tem-se processado no sentido da convergência com o direito penal, dando-se uma cada vez maior dissolução de fronteiras entre estes dois ramos do direito, visível, por excelência, no domínio do direito sancionatório das entidades reguladoras, em que os comportamentos sancionados se revestem de uma gravidade ético- -jurídica semelhante à dos ilícitos penais e em que as coimas são penas pecuniárias de natureza idêntica à pena criminal de multa e de montante mais elevado. Tal como o direito penal, também o direito contra- -ordenacional exerce uma função de tutela de bens jurídicos, individuais e supra-individuais, prosseguindo as sanções contraordenacionais finalidades de prevenção geral e de prevenção especial, não se esgotando numa pura admonição (cfr. Nuno Brandão, «Acordos sobre a decisão administrativa e sobre a sentença no processo contra-ordenacional», in Revista Portuguesa de Ciências Criminais , Ano 21, n.º 4, 2011, p. 594). Na esteira da doutrina e da jurisprudência constitucional alemãs, tende a considerar-se que o direito das contraordenações é direito penal em sentido amplo ( ibidem , p. 599). Acerca da questão de saber se esta aproximação entre direito penal e direito contraordenacional também opera em relação ao direito processual penal e aos seus princípios, admite-se que esta aproximação nunca se possa traduzir numa total recondução do direito contraordenacional ao direito penal e processual penal, havendo ainda planos de divergência material entre crimes e contraordenações e entre penas de prisão e de multa e a coima, que justificam a autonomia do direito contraordenacional. Em consequência, aceita-se que os princípios constitucionais possam assumir diferentes modos de materialização consoante estejam em causa normas penais ou contraordenacionais, sendo esta diferença justificada, sobretudo, pela diferença qualita- tiva entre sanções penais e contraordenacionais, no que diz respeito à privação da liberdade. É, assim, esta divergência material radicada na natureza não privativa da liberdade que confere fundamento ao tratamento constitucional diferenciado das normas penais e das normas contraordenacionais e que abre caminho à pre- visão de regimes legais, substantivos e processuais distintos nestes dois ordenamentos (cfr. Nuno Brandão, Crimes e Contra-ordenações… , ob. cit., p. 942). OTribunal Constitucional tem afirmado a aplicabilidade dos princípios da constituição penal ao direito das contraordenações, apesar de a sua redação se encontrar expressamente referida à lei penal, aos crimes e às penas, tendo já declarado a inconstitucionalidade de normas contraordenacionais à luz de princípios da Constituição Penal, por exemplo, nos Acórdãos n.º 227/92 e n.º 150/94, em que o tribunal aplicou ao direito contraordenacional o princípio da retroatividade da lei penal de conteúdo mais favorável, consagrado no artigo 29.º, n.º 4, da CRP. No mesmo sentido, nos Acórdãos n.º 327/99 e n.º 176/00, este Tribunal con- siderou extensível ao domínio do direito das contraordenações o princípio da proibição dos efeitos automá- ticos das penas e das condenações penais constante do artigo 30.º, n.º 4, da CRP, e, no Acórdão n.º 244/99, considerou aplicável às contraordenações o princípio constitucional ne bis in idem , embora o preceito consti- tucional que o consagra se dirija expressamente a factos penais (artigo 29.º, n.º 5, da CRP). Ainda no Acór- dão n.º 574/95, o Tribunal afirmou que «o princípio da legalidade das sanções, o princípio da culpa e, bem assim, o princípio da proibição das sanções de duração ilimitada ou indefinida valem na sua ideia essencial, para todo o direito público sancionatório, maxime , para o domínio do direito de mera ordenação social». No mesmo sentido, o Acórdão n.º 59/95, proferido a propósito do direito disciplinar, afirmou que «Não pode haver punição disciplinar sem culpa, porque o princípio constitucional de culpa tem a ver com a existência

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