TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

397 acórdão n.º 728/17 No cerne do diploma – produzido num contexto histórico particular de reação contra o uso indiscrimi- nado das penas criminais – estava subjacente o desiderato de criação do conceito de contraordenação como infração distinta da infração criminal à qual seria aplicada uma sanção própria, também ela distinta da pena criminal, conformada por regras adjetivas próprias, parcialmente a cargo da Administração. Seguiu-se um intenso debate doutrinário e jurisprudencial que, equacionando e debatendo a distin- ção entre as noções de crime e de contraordenação, redundou na aprovação, em 1952, de uma lei-quadro do direito contraordenacional futuro ( OWIG ), que previa o alargamento do direito das contraordenações a outras matérias que não unicamente económicas, o que veio, efetivamente, a materializar-se, no ano de 1968, com a aprovação de uma nova lei-quadro ( EGOWIG ) que previa a conversão das contravenções rodo- viárias em contraordenações. No plano do direito português, data de 1979 a aprovação do regime geral das contraordenações (Decreto- -Lei n.º 232/79, de 24 de julho), diploma que continha um regime idêntico à lei-quadro alemã de 1968, acolhendo expressamente a noção de contraordenação como todo o facto ilícito e subjetivamente censurável que preenchesse um tipo legal no qual se cominasse uma coima. A circunstância de, por um lado, à data, o texto da Lei Fundamental ser omisso em matéria contraor- denacional e, por outro lado, terem surgido dúvidas sobre a competência material do Governo para a apro- vação daquele diploma, despoletou uma pluralidade de incertezas sobre a validade do regime legal então instituído, parcialmente superadas com a aprovação – na sequência de autorização legislativa da Assembleia da República, concedida pela Lei n.º 24/82, de 23 de agosto – do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que revogou o diploma de 1979 e se mantém presentemente em vigor, ainda que objeto de sucessivas altera- ções legislativas parcelares, invariavelmente precedidas de autorização da Assembleia da República ( v. g. Lei n.º 4/89, de 3 de março, Lei n.º 13/95, de 5 de maio, Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro). Com a aprovação do referido diploma, o legislador propunha-se regular amplos espaços da vida social e económica, designadamente «as práticas restritivas da concorrência, as infracções contra a economia nacio- nal e o ambiente, bem como a protecção dos consumidores». Donde, o ilícito de contraordenação social demanda o reconhecimento do postulado de que ao lado do direito penal existe um novo e autónomo direito sancionatório, o direito de mera ordenação social. No artigo 1.º do Regime Geral, acolheu-se, com o aplauso da doutrina, um conceito formal de con- traordenação: constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima (cfr. Figueiredo Dias, «O movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordena- ção social», in Jornadas de Direito Criminal: o Novo Código Penal Português e Legislação complementar , Centro de Estudos Judiciários,1983, pp. 316-317). Entretanto, a Lei Constitucional n.º 1/89 aditou ao artigo 32.º da CRP – norma que integra a cons- tituição processual criminal – a disposição contida no n.º 10, no qual se consignou que, nos processos de contraordenação, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. Apesar do laconismo de tal inovação é significativo que essa referência tenha sido incluída, em termos sistemáticos, nas normas relativas à garantia dos arguidos em processo criminal e não no título IX da Cons- tituição, respeitante à Administração Pública (cfr. o artigo 268.º que trata dos direitos e garantias dos admi- nistrados). No plano hermenêutico, por outro lado, o enquadramento constitucional do direito de defesa forneceu mais um elemento para a compreensão do regime do ilícito de mera ordenação social, em especial na fase organicamente administrativa do processo de contraordenação. É certo que o direito das contraordenações, enquanto direito sancionatório público, foi concebido com autonomia substantiva, sancionatória e processual, em relação ao Direito Penal e que o Tribunal Cons- titucional (Acórdãos n.º 469/97 e n.º 278/99, entre outros) tem afirmado que, no domínio do processo contraordenacional, não existe uma estreita equiparação entre ilícito contraordenacional e o ilícito crimi- nal, sublinhando, no entanto, a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o

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