TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
396 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E esta conclusão não é infirmada pela circunstância de a caução poder vir a ser devolvida por efeito da decisão final, pois que a desproporção na medida ali prevista não sofre qualquer alteração na sua essencialidade por força desta possível reparação. 23. Por último – cumpre notar ainda – a norma recusada não acautela a possibilidade de verificação de insu- ficiência económica do arguido/recorrente. Numa análise de ponderação custos-benefícios, esta desconsideração total da situação económica do visado onera desproporcionadamente o sacrifício infligido no direito fundamental do acesso à justiça individual para atingir o benefício de interesse público prosseguido. Impondo a prestação de uma garantia de valor equivalente ao montante da coima mesmo aos arguidos que não tenham meios para a prestar, a solução normativa em causa exacerba o potencial inibidor da opção pela via de recurso de forma intolerável, já que redunda numa solução que esvazia uma das dimensões essenciais do direito de acesso à via judicial de plena jurisdição. Na prática, propicia-se a imediata execução da coima por falta de meios económicos do visado para impugnar a decisão da AdC de forma apta a prevenir o seu imediato pagamento». 10. Como resulta do Acórdão n.º 281/16, proferido em Plenário, os diferentes juízos quanto à cons- titucionalidade emitidos por estes dois Acórdãos resultaram da formulação de interpretações normativas distintas. O Acórdão n.º 376/16, que julgou não inconstitucional a norma extraída do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, excluiu expressamente do sentido normativo apreciado a situação decorrente da incapacidade financeira do impugnante («por não ser essa a situação do caso e uma tal interpretação normativa não ter constituído ratio decidendi, mas um mero obiter dictum »), tendo este Tribunal, no citado Acórdão, deduzido a concreta configuração da dimensão normativa a fiscalizar da circunstância de a empresa impugnante não ter invocado quaisquer factos que permitissem sustentar a impossibilidade económica de prestação de caução. O Acórdão n.º 376/16 incluiu no sentido da norma questionada a possibilidade de o tribunal fixar cau- ção «pela forma e montante julgados adequados ao caso concreto», o que entendeu constituir uma «válvula de escape» que retira rigidez e automaticidade ao sistema. Já o Acórdão n.º 674/16 integrou na norma que julgou inconstitucional os aspetos que foram afastados pelo Acórdão n.º 376/16: a impossibilidade de gra- duação da caução e a desconsideração da indisponibilidade financeira do impugnante. No sentido adotado pelo Acórdão n.º 376/16, o recente Acórdão n.º 397/17, proferido nesta Secção, e que decidiu não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 46.º, n. os 4 e 5, da Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro, baseou-se numa interpretação normativa que exclui, tal como o Acórdão n.º 376/17, o sen- tido, segundo o qual se verifica uma equivalência automática e necessária entre o valor da caução a prestar e o montante da coima, expressamente admitindo «que a prestação da caução seja feita no montante e pela forma que o Tribunal entender adequados, tomadas em devida consideração as particularidades do caso, as circunstâncias do impugnante e a função de garantia da caução». B – O mérito do recurso 11. A questão da conformidade da norma com a Lei Fundamental encontra-se intimamente conexio- nada com a natureza dogmática do direito contraordenacional, na medida em que a compreensão desta influi, de modo determinante, no processo hermenêutico de convocação dos preceitos e princípios constitu- cionais que ao caso hão-de ser aplicados. Ora, como é sabido, o direito das contraordenações surgiu na Alemanha do pós-guerra, na sequência do labor da designada Comissão do Direito Penal Económico, que culminou na aprovação da Lei da Simplifi- cação do Direito Penal Económico, datada de 26 de julho de 1949, cuja entrada em vigor foi deferida para 1 de outubro desse mesmo ano.
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