TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

395 acórdão n.º 728/17 «21. Por outro lado, o condicionamento do efeito suspensivo do recurso à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal – cfr. artigo 84.º, n.º 3 – inculca uma ideia de automatismo que, pode não deixar espaço para um juízo de dispensa ou adequação (designadamente do montante e modo de prestação) atentos os circunstancia- lismos do caso concreto. Como já foi afirmado “(…) a redação da lei não parece deixar margem de manobra para que o juiz dispense a prestação de caução, uma vez que exige que a mesma seja efetiva” (Teresa de Lima Mayer Alves Moreira, A Desnecessidade da Exequibilidade Imediata da Coima no Novo Regime Jurídico da Concorrência à Luz do Princípio da Presunção de Inocência e do Direito de Acesso aos Tribunais , inédito, p. 42). De acordo com a dimensão normativa dos n. os 4 e 5, do artigo 84.º da LdC, cuja aplicação foi recusada, por inconstitucionalidade, pelo tribunal a quo, a atribuição do efeito suspensivo depende da prestação de uma caução cuja fixação não é atribuída a apreciação judicial. A prestação da caução a que alude a parte final do n.º 5, do artigo 84.º representa uma condição ope legis , desde que se encontre demonstrado o prejuízo considerável resultante da execução da coima. O juiz é chamado a verificar se a execução da coima causa o prejuízo considerável ao recorrente por este invocado no requerimento de interposição do recurso, mas, demonstrado este prejuízo, a decisão judicial restringe-se à fixação de um prazo para a prestação de caução, “em substituição” do montante da coima, o que inculca a ideia de necessária correspondência entre os dois montantes. Ora, uma tal automaticidade não consente a devida ponderação circunstanciada do caso, designadamente para efeitos de avaliação da exigibilidade da prestação de uma caução de montante igual ao da coima para prevenção de eventuais perigos que se imponha acautelar e que podem encontrar mecanismo alternativo nas medidas provisórias. É, todavia, possível configurar uma solução legislativa alternativa em que a prestação de caução não esteja ligada ao referido automatismo, permitindo a ponderação pelo juiz do seu valor. Acrescente-se, aliás, que o processo contraordenacional não exclui a possibilidade de aplicação de algumas medidas cautelares que visam assegurar os fins do processo. No caso da LdC, o artigo 34.º dispõe expressamente que «sempre que as investigações realizadas indiciem que a prática que é objeto do processo está na iminência de provocar prejuízo, grave e irreparável ou de difícil reparação para a concorrência, pode a Autoridade da Concor- rência, em qualquer momento do processo, ordenar previamente a imediata suspensão da prática restritiva ou quaisquer outras medidas provisórias necessárias à imediata reposição da concorrência ou indispensáveis ao efeito útil da decisão a proferir no termo do processo » (itálico nosso). Trata-se de um outro mecanismo alternativo ao previsto na norma em julgamento. Assim se vê que existem opções normativas menos lesivas do direito de acesso ao tribunal, que respeitando a presunção de inocência do arguido, não representam perda de eficácia na prossecução do fim de interesse público prosseguido. (…) 22. Mesmo que se tivesse concluído de outro modo no que respeita ao teste da necessidade, ainda assim a norma mereceria censura constitucional por violar o teste da justa medida. O princípio da proporcionalidade em sentido estrito veda a adoção de medidas que se apresentem como exces- sivas (desproporcionadas) para atingir os fins visados. É o caso da solução normativa sob juízo. Na verdade, ao traduzir a imposição de um ónus de efeitos equivalentes ao cumprimento da coima para evitar a antecipação daquele mesmo cumprimento a norma recusada afronta o princípio da proporcionalidade, por se apresentar como medida excessiva diante dos fins prosseguidos. Ainda que, de acordo com a jurisprudência constitucional, seja de aceitar uma maior amplitude do poder de conformação do legislador democrático quando versa sobre o direito contraordenacional por comparação com a margem de discricionariedade deixada ao legislador penal, designadamente em sede de definição das garantias de defesa do arguido (cfr. por todos Acórdão n.º 297/16, ponto 14), a norma em análise, onerando excessivamente o direito de acesso a uma tutela judicial efetiva, praticamente esvazia de sentido a presunção de inocência atribuída ao arguido, o que constitui compressão excessiva das garantias de defesa previstas no artigo 32.º, n. os 2 e 10, em articulação com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.

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