TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

393 acórdão n.º 728/17 condicionando o efeito suspensivo à prestação de caução e à existência de «prejuízo considerável», procura- -se minimizar os recursos judiciais infundados cujo objetivo seja protelar no tempo o pagamento da coima. 8. Na perspetiva do tribunal recorrido, o regime consagrado no artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da ERS (Decreto-Lei n.º 126/2014), consagrando a execução antecipada da sanção (ou a prestação de caução em substituição da coima e de valor equivalente a esta), decidida por entidade administrativa antes de o caso ter sido conhecido por um tribunal, significa uma presunção de abuso do direito ao recurso ou de culpabi- lidade contra os cidadãos condenados ao pagamento de coima ou outras sanções acessórias, apenas baseada num receio geral e não provado de incumprimento. A norma posta em crise, segundo o acórdão recorrido, restringe, de forma desnecessária e excessiva, o direito de acesso ao tribunal, o direito à tutela efetiva e a um processo equitativo, consagrados, no artigo 20.º, n. os 1, 4 e 5, da CRP, bem como o princípio da presunção de inocência, que o tribunal recorrido considera aplicável aos processos contraordenacionais, por força do artigo 32.º, n.º 10, da CRP, e que analisa na sua dupla dimensão de proibição da antecipação das penas a título de medidas cautelares e de proibição de efeitos automáticos da instauração de procedimento criminal. Prossegue o tribunal recorrido, entendendo que o legislador, no artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da ERS, optou por uma solução extremada no estabelecimento de limites ao acesso aos tribunais, ofendendo as exigências de legitimidade e de proporcionalidade ínsitas à margem de livre apreciação disponível. Em consequência, conclui que a norma não passa o teste da necessidade, porque o Estado tinha ao seu dispor outras soluções para a realização das finalidades cautelares visadas, designadamente a caução econó- mica prevista no artigo 277.º do CPP, preceito que assenta num fundado receio, casuisticamente aferido, de perda da garantia patrimonial, nem o teste da proporcionalidade em sentido estrito, por se tratar de uma medida de grau máximo que faz corresponder o efeito suspensivo ao pagamento de uma coima de valor equivalente ao da sanção aplicada, sem atribuir ao julgador margem de conformação. Foi esta a forma como a decisão recorrida colocou a questão:  «A atribuição de efeito devolutivo como regra ou a atribuição de efeito suspensivo mediante o cumprimento de ónus de alegação e/ou prova ao visado da decisão sancionatória satisfaz finalidades cautelares de antecipação sancionatória e, por outro lado, representa uma medida de grau máximo no sentido em que faz corresponder o efeito suspensivo ao pagamento da coima ou prestação de caução equivalente à coima.  (…) O legislador do art. 67.º, n.º 5 dos EERS optou pela solução mais extremada no estabelecimento do limite do acesso, ferindo, em toda a linha, as exigências da admissibilidade, legitimidade e proporcionalidade ínsitas à margem de livre apreciação disponível. (…) «A ratio constitucional conforme do art.º 67.º, n.º 5 dos EERS, atentas as exigências do art.º 20.º, n.º 1 e 5 e da jurisdição plena, poderia e deve ser melhor alcançada com a eventual consagração de ónus que não impliquem a antecipação da sanção». 9. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a conformidade à Constituição de normas seme- lhantes à agora questionada, que fixam os efeitos do recurso de decisões de entidade reguladoras que aplicam coimas, nomeadamente, a norma que determina os efeitos da impugnação de decisões da Autoridade da Concorrência (“AdC”), nos termos do artigo 84.º, n. os 4 e 5, da Lei da Concorrência (Acórdãos n. os  376/16 e 674/16) e a norma que define os efeitos da impugnação de decisões da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (“ERSE”) – artigo 46.º, n. os 4 e 5, do regime sancionatório do setor energético (“RSSE”). A constitucionalidade desta norma foi apreciada por este Tribunal, nos Acórdãos n.º 675/16 e n.º 397/17, tendo o primeiro Acórdão proferido, com dois votos de vencido, um juízo de inconstitucionalidade material da norma, enquanto o segundo proferiu, também com dois votos de vencido, um juízo de não inconstitu- cionalidade.

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