TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
39 acórdão n.º 707/17 104.º Ainda neste ponto, os requerentes invocam – ainda que sem invocar qualquer fundamento justificativo – a tese de que a decisão de extinguir a Águas do Mondego, S. A. “é inconstitucional por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea q) da Constituição e por violação do artigo 24.º, n.º 1, alínea n) da Lei n.º 75/2013” (cfr. artigos 69.º e ss. do requerimento) [...] podendo em qualquer caso dizer-se, a título sucinto, que, na medida em que o primeiro destes preceitos apenas estabelece uma reserva relativa de competência da Assembleia da República no que respeita ao “estatuto das autarquias locais” (que não é de modo algum atingido por tal decisão) [...] e que a Lei n.º 75/2013 não constitui uma lei de valor reforçado (cfr. artigo 112.º, n.º 3 da Constituição), pelo que uma hipotética disparidade entre tal diploma e o Decreto-Lei n.º 92/2015 nunca determinaria a inconstitucionalidade ou ilegalidade deste Decreto-Lei que, tendo igual força hierárquica, sempre prevaleceria à luz do princípio de que lei posterior derroga lei anterior... [...] IV. O Decreto-Lei n.º 92/2015 A. Da inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 92/2015 (extinção da sociedade Águas do Mondego, S.A.) i. Da violação da liberdade de iniciativa económica privada [...] 132.º Como é evidente, a participação dos municípios em sistemas multimunicipais, cuja titularidade é do Estado e cujos fins principais extravasam os objetivos meramente locais que a Constituição e a lei confiam a cada um dos municípios, acarreta, no tocante a esses sistemas, bem como às respetivas sociedades gestoras (através de cuja ação se materializa o funcionamento e a existência real daqueles), uma apreciável compressão do âmbito de proteção da liberdade de empresa, justamente porque apresenta um grau defuncionalização acrescida face a inte- resses gerais de âmbito nacional. 133.º E trata-se de uma funcionalização acrescida, pois, mesmo em geral, conforme referimos supra e conforme tem frisado de forma pacífica o Tribunal Constitucional, a Constituição já faz questão de sujeitar, de forma parti- cularmente clara, o exercício deste direito fundamental ao interesse geral e de permitir a intervenção conformadora da lei. 134.º Ora, parece-nos por demais forçoso concluir que a dissolução da sociedade gestora de sistema municipal (com concomitante criação de uma nova e atribuição aos anteriores acionistas de participações sociais nessa nova sociedade) não é suscetível de afetar esse mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante que a lei não pode aniquilar, de acordo, aliás, com a garantia constitucional de um setor económico privado (cfr. os Acórdãos n.º 76/85, n.º 576/99 do Tribunal Constitucional). 135.º Por estes motivos, deve concluir-se no sentido da improcedência deste fundamento da suposta inconsti- tucionalidade das normas em crise. ii. Da violação do direito à propriedade privada [...] 145.º Assim, o essencial da tutela jusfundamental – de uma tutela privilegiada própria dos direitos, liberdades e garantias, em razão da sua natureza análoga a estes – fica reservado, unicamente, para o direito de não ser arbitra- riamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação, tutelado sobretudo pelo n.º 2 do artigo 62.º Quando justificado por motivos razoáveis e não arbitrários, um dado direito patrimonial sobre um bem ou sobre uma unidade produtiva pode ser expropriado da esfera do seu titular em virtude da prossecução de necessidades coletivas (...). [...] 148.º Acresce que, à semelhança do que já concluímos supra, a propósito da liberdade de iniciativa eco- nómica privada, também a natureza específica dos sistemas multimunicipais, de titularidade estatal, em que os municípios se associam ao Estado para colaborar na prossecução de fins de interesse comum, mas que constituem
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