TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
384 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV – Embora o tribunal recorrido tenha questionado a constitucionalidade material da norma agora em crise, ela apresenta um outro vício – a inconstitucionalidade orgânica – por integrar um Decreto-Lei do Governo não autorizado pela Assembleia da República, violando as regras de competência dos órgãos de soberania; não se encontrando os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional limitados pela qualificação jurídica do vício imputado à norma, nem pelo concreto fundamento jurídico-consti- tucional invocado, nenhum entrave existe à apreciação de uma inconstitucionalidade orgânica, ainda que não invocada. V – A norma em causa, na parte em que consagra o princípio do efeito devolutivo da impugnação judicial e condiciona a obtenção de efeito suspensivo do recurso à prestação de caução e verificação de um prejuízo considerável para o arguido, constitui uma lei restritiva de direitos, liberdades e garantias, nomeadamente, do princípio da presunção de inocência, estatuído no artigo 32.º, n.º 2, da Consti- tuição, que tem sido aplicado, em sede contraordenacional, pela jurisprudência europeia e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, tendo em conta as finalidades punitivas e dissuasoras das sanções impostas. VI – Estando em causa a preterição de um direito, liberdade e garantia, através de uma norma que integra um Decreto-Lei do Governo não autorizado, verifica-se a violação da reserva legislativa da Assembleia da República prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, pelo que o artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, é inconstitucional. Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A Entidade Reguladora da Saúde – ERS instaurou contra A., psicóloga clínica que exerce a sua profissão em consultório integrado num estabelecimento coletivo de saúde (Clínica), processo de contraor- denação, nos termos dos artigos 4.º, 5.º, 10.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, e do artigo 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 371/2007. Em concreto, imputou aquela entidade reguladora à aqui Recorrida a prática das seguintes contraor- denações: i) inobservância do dever de inscrição do estabelecimento prestador de cuidados de saúde (psico- logia) no registo da Entidade Reguladora da Saúde – ERS [artigos 61.º, n.º 2, alínea a), e 26.º, n.º 3, dos Estatutos da ERS] e ii) não disponibilização de livro de reclamações no estabelecimento a que respeita a ati- vidade [artigos 3.º, n.º 1, alínea a) e 9.º, n.º 1, alínea a) , do Decreto-Lei n.º 156/2006, de 15 de setembro]. Por decisão datada de 7 de março de 2016, a ERS aplicou à recorrida a coima única de € 1400 pela prática, em concurso, das duas contraordenações acima referidas (fls. 37). Inconformada com tal decisão, a arguida apresentou recurso de impugnação judicial no Tribunal da Concorrência, Supervisão e Regulação. O recurso mereceu despacho de admissão (fls. 79). Além disso, foi proferido pelo juiz a quo, após exercício do contraditório, despacho recusando a aplica- ção do artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da ERS – na parte em que condiciona a obtenção de efeito suspensivo
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