TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
380 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inquestionável – o juízo definitivo das autoridades jurisdicionais competentes sobre o direito ordinário de fonte legal – e confrontá-lo com os parâmetros constitucionais relevantes. É certo que este princípio admite uma exceção. Nos casos em que a norma extraída da lei pela decisão recorrida não tem com o teor literal daquela um mínimo de correspondência ou em que a norma legal aplicada não é evidentemente aplicável nos autos, o Tribunal Constitucional tem entendido que se justifica recusar a admissão do recurso de constitucionalidade (vide o Acórdão n.º 677/16 e a jurisprudência nele citada). Sem dúvida que tal implica a sindicância da decisão recorrida no plano do direito ordinário, ainda que dentro dos estreitos limites de um controlo de evidência. Todavia, importa notar que essa possibilidade é ainda uma consequência natural da premissa radical em que se baseia o princípio da incognoscibilidade das questões de direito ordinário: nesses casos, por definição excecionais, o Tribunal Constitucional não se subs- titui ao tribunal recorrido na decisão da causa, antes recusa a admissão de um recurso de constitucionalidade que não tem cabimento, porque o seu objeto constitui, sem margem para dúvidas, uma realidade meramente virtual. É a própria natureza da jurisdição constitucional – como guardião da ordem constitucional e contra- peso do poder legislativo – que justifica essa prerrogativa de exceção, a qual opera como meio de defesa do Tribunal contra o risco de instrumentalização processual do recurso de constitucionalidade. 2. A decisão recorrida comporta necessariamente duas afirmações no plano do direito ordinário. Em primeiro lugar, a de que a correta interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e de Pro- cesso Tributário (CPPT) é a de que os atos interlocutórios imediatamente lesivos de direitos devem ser objeto de impugnação imediata e autónoma, de tal modo que os seus vícios não podem ser invocados na impugna- ção da decisão final do procedimento em que estejam inseridos; por outras palavras, a exceção ao princípio da impugnação unitária constitui um ónus e não uma faculdade. Essa é a premissa maior do silogismo decisório. Em segundo lugar – e é esta a premissa menor –, a de que o indeferimento do pedido de atribuição de benefício fiscal apresentado pelo recorrido constitui um ato interlocutório, imediatamente lesivo de direitos, para efeitos do artigo 54.º do CPPT. Este juízo de qualificação é um dado seguro e inquestionável: é seguro, porque, tendo a decisão recorrida aplicado o artigo 54.º do CPPT, que diz apenas respeito a atos interlo- cutórios, não pode deixar de ter concluído pela natureza interlocutória do ato impugnado; e é um dado inquestionável, porque foi proferido no plano do direito ordinário, na medida em que diz exclusivamente respeito a matéria de direito administrativo e tributário, no âmbito da qual se distinguem atos autónomos de atos interlocutórios do procedimento. Foi por ter reconhecido natureza interlocutória ao indeferimento do pedido de atribuição de benefício fiscal, que a decisão recorrida não pôde deixar de determinar o sen- tido do artigo 54.º do CPPT – o qual dispõe sobre o regime de impugnação dos atos interlocutórios – e de confrontar esse sentido com o artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, designadamente nos termos do Acórdão n.º 410/15, em que o Tribunal proferiu nessa matéria um juízo de inconstitucionalidade. O que o Tribunal faz neste Acórdão – e o que me leva a dele divergir – é sindicar esse juízo de qualifi- cação, com o propósito evidente de distinguir a questão colocada neste recurso daquela sobre a qual recaiu o Acórdão n.º 410/15. O caminho percorrido compreende duas etapas essenciais. A primeira é a de, sob a aparência de redução do objeto do recurso, reabrir uma das questões de direito ordinário à qual a decisão recorrida deu resposta, a da natureza interlocutória ou autónoma do ato tributário cujos vícios o recorrido pretendeu arguir após a liquidação do imposto sobre o seu rendimento referente ao ano de 2010. A segunda, amplamente documentada na fundamentação por jurisprudência e doutrina administrativas e tributárias, é a de responder a essa questão no sentido contrário ao da decisão recorrida, ou seja, de que o ato tributário em questão não constitui um ato interlocutório, mas um ato autónomo que pôs termo a um procedimento inde- pendente. Completadas estas duas etapas, a questão de constitucionalidade com a qual a decisão recorrida se debateu – aquela sobre a qual recaiu o Acórdão n.º 410/15 e que diz respeito à compatibilidade do ónus de impugnação autónoma dos atos interlocutórios imediatamente lesivos de direitos com o direito à tutela jurisdicional efetiva dos administrados – ficou esvaziada de sentido. Com efeito, ao concluir que o ato tribu- tário não possui natureza interlocutória, o Tribunal Constitucional excluiu o caso do domínio de aplicação
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=