TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
38 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 77.º Se, neste quadro, já seria intolerável a opção de usar uma forma não legislativa para concretizar a reorga- nização dos serviços públicos em causa, tal opção torna-se ainda mais inaceitável no contexto de um sistema cuja configuração inicial dos sistemas multimunicipais e das sociedades exploradoras foi feita por ato legislativo, pelo que o recurso aos mecanismos de decisão societários implicaria transformar entes instrumentais materialmente administrativos em entes autodefinidores da sua própria legalidade. 78.º Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 92/2015, o Governo-Legislador recorreu à forma constitucional- mente adequada para fixar uma nova configuração dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento e das sociedades que os exploram. [...] 82.º Do mesmo modo, não se vislumbra como pode ser imputada a tal opção legislativa uma inconstituciona- lidade por “violação do direito de audiência prévia da sociedade” extinta, já que, como se destacou, foi concedida a possibilidade de os seus acionistas se pronunciarem sobre a equacionada redefinição do modelo de exploração dos serviços públicos de captação e tratamento de água para consumo público e de recolha e tratamento de efluentes e sobre os efeitos que tal redefinição teria sobre a estrutura societária em questão [...] nem tão pouco existe qualquer fundamento para considerar que o Decreto-Lei n.º 92/2015 consubstancia urna violação do “direito à autonomia de gestão da sociedade concessionária integrante da liberdade de iniciativa económica privada”, porquanto, estando em causa uma empresa de capitais exclusivamente públicos criada por lei para a prossecução de interesses que a Constituição proclama como estaduais, tal autonomia não pode naturalmente prevalecer sobre a autoridade do Estado para, pela mesma forma legislativa, redefinir o modo de prossecução desses interesses. [...] 85.º Por fim, também não se vê qualquer motivo para sustentar que a opção de redefinir, por via legislativa, o modelo de organização dos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento e das sociedades exploradoras sem obter a “anuência” dos municípios envolvidos representaria uma violação dos “princípios da segurança jurídica e tutela da confiança”. [...] 92.º Por aceitar que o processo de agregação pode envolver uma reconfiguração dos pressupostos de iure em que os sócios municipais fundaram a decisão de participar no capital das concessionárias, o Governo-Legislador não concebe a hipótese de os amarrar à titularidade das suas participações sociais. 93.º Exercendo um direito de saída – direito potestativo, que não depende sequer da anuência de um terceiro –, os Municípios dispõem, assim, da faculdade de reponderar a sua conduta à luz dos novos desenvolvimentos da atuação dos poderes públicos suscetíveis de se repercutirem na sua esfera jurídica. 94.º Neste sentido, a confiança legítima dos Municípios na conduta anterior do Estado só mereceria tutela adicional nos casos eventuais em que o direito de saída – e o preço pago pelas participações sociais detidas na nova sociedade – se não revele suficiente para a restauração integral de uma lesão efetiva na sua esfera patrimonial, a qual, para ser compensada, careça do pagamento de uma quantia indemnizatória avaliada em razão do investimento de confiança perdido pelo município requerente. 95.º Mas não é a existência desse investimento de confiança não acautelado pelo Estado que os requerentes invocam – o fundamento por si invocado para justificar a violação dos “princípios da boa-fé, segurança jurídica e tutela da confiança” é a circunstância de o Governo ter procedido à reorganização dos sistemas multimunicipais e à redefinição das sociedades exploradoras sem ter recorrido aos mecanismos de deliberação societária ou obtido a anuência dos municípios (cfr. artigos 26.º a 50.º do requerimento). 96.º Ora, não são já os princípios da tutela da confiança e da segurança jurídica que estão em jogo quando, longe de se exigir uma mera compensação financeira pelos prejuízos causados por uma dada reforma legislativa, se sugere, simplesmente, proibir essa reforma e colocar o seu teor na dependência da opinião – vinculativa – dos seus destinatários, num fenómeno de inversão das relações de imperatividade entre o legislador e a comunidade para a qual se legisla. [...]
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