TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

379 acórdão n.º 718/17 Por isso, a solução recusada pelo tribunal a quo, ainda que possa não ser, de entre as abstratamente con- figuráveis, aquela que maior nível de proteção assegura aos particulares, não é censurável à luz do princípio da justiça, consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição. O recurso deverá, pois, ser julgado procedente. III – Decisão Em face do exposto, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a interpretação normativa retirada do artigo 54.º do CPPT, com o sen- tido de que a não impugnação judicial de atos de indeferimento de pedidos de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles; e, em consequência, b) Julgar procedente o recurso interposto pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira. Sem custas, por não serem devidas. Lisboa, 15 de novembro de 2017. – Joana Fernandes Costa – Maria Clara Sottomayor – João Pedro Cau- pers – Maria José Rangel de Mesquita – Gonçalo de Almeida Ribeiro (vencido, nos termos da declaração em anexo). DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido. 1. O Acórdão acolhe expressamente o princípio, afirmado de modo reiterado na jurisprudência deste Tri- bunal, da incognoscibilidade pela jurisdição constitucional das questões de direito ordinário controvertidas nos autos. Porém, acaba inevitavelmente – pelo caminho percorrido na fundamentação – por desrespeitá-lo. Não é necessário encarecer a relevância do princípio da incognoscibilidade na repartição de competên- cias entre a justiça comum e a justiça constitucional e na definição funcional do Tribunal Constitucional na arquitetura do Estado de direito democrático. Ele corresponde ao reconhecimento do papel que, nesse âmbito, é atribuído a este Tribunal. Um papel especialíssimo, por duas ordens de razão complementares. Em primeiro lugar, porque lhe cabe a autoridade suprema em matéria de interpretação de uma lei com características singulares – a Constituição –, que reclama uma metódica diversa da que caracteriza a inter- pretação, concretização e aplicação do direito ordinário de fonte legal e uma legitimidade diversa da que desfrutam os tribunais comuns. Em segundo lugar, porque embora a intervenção do Tribunal Constitucio- nal, no âmbito da fiscalização concreta, seja um incidente de um processo em que são dirimidas pretensões subjetivas, a questão que lhe compete decidir é exclusivamente a de saber se uma ou mais normas de direito ordinário aplicáveis no caso concreto são conformes à Constituição, o que atribui ao recurso de constitucio- nalidade um pendor objetivista. São, essencialmente, estas duas características da justiça constitucional – a natureza fundamental do parâmetro jurídico cuja garantia lhe está confiada e a natureza normativa do objeto sobre o qual incidem os seus juízos – que previnem qualquer confusão funcional entre ela e a justiça comum. O princípio da incognoscibilidade das questões de direito ordinário é um corolário lógico dessa pre- missa radical e um instrumento indispensável à sua administração judicial. O seu alcance é, simplesmente, o seguinte: para decidir a questão de constitucionalidade que constitui o objeto do recurso, não deve o Tribu- nal Constitucional percorrer o caminho que a decisão recorrida percorreu para resolver qualquer das questões de direito ordinário que lhe tenham sido colocadas, devendo tomar a resposta a tais questões como um dado

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=