TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
378 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos adminis- trativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas” – constitui uma mera concretização do princípio da tutela jurisdicional efetiva, agora com referência aos direitos e interesses dos particulares na específica relação destes com Administração. Da tutela jurisdicional efetiva especialmente contemplada no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição – que assume, conforme se viu, particular relevância no quadro da jurisdição administrativa –, decorre uma exigência de contencioso pleno, que inclui o reconhecimento e proteção dos direitos e interesses dos particulares, a impugnação de quaisquer atos administrativos lesivos desses direitos e interesses, a existência de meios de condenação à prática de atos devidos, bem como a consagração de medidas cautelares adequadas (cfr., por exemplo, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 828 e seguintes). No que toca ao processo tributário, impõem-se exatamente as mesmas quatro exigências. Lato sensu , a imposição constitucional de um contencioso em sede tributária traduz-se no reconheci- mento aos contribuintes da faculdade processual de, “em geral, defender em as suas posições jurídicas em todas as situações em que a sua esfera jurídica se encontre afetada, seja nas situações em que existe uma atuação administrativa (…), seja nas situações em que essa atuação, devendo existir, não existe (…)” (cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de… , cit., p. 248). O que acaba de dizer-se encontra plena concretização no plano infraconstitucional. Em consonância com a exigência de contencioso pleno no plano tributário, consagrada no 9.º da LGT, o n.º 1 do respetivo artigo 95.º reconhece a qualquer interessado o direito de impugnar ou recorrer de qual- quer ato lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, por potencialmente lesivos para esse efeito tomando, entre outros, os atos de liquidação de tributos [cfr. alínea a) do n.º 2] ou o indeferimento de pedidos de isenção ou de benefícios fiscais sempre que a sua concessão esteja dependente de procedimento autónomo [cfr. alínea f ) do n.º 2 ]. Ora, em face dos meios de reação facultados pelo ordenamento, as considerações que se deixaram feitas acerca da eventual violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva têm aqui inteira aplicação: na medida em que o particular ora recorrido dispôs de uma possibilidade efetiva de reagir contenciosamente contra o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, o comando cuja aplicação foi recusada não restringe intoleravelmente a garantia de defesa, perante os tribunais, dos seus direitos e interesses legítimos. Uma última palavra se deixe para o princípio da justiça, enquanto diretiva dirigida ao intérprete/apli- cador no sentido de, na resolução das questões que lhe são colocadas, privilegiar a justiça material em detri- mento de soluções excessivamente formais. Por força da imposição que decorre de outros princípios igualmente aplicáveis – como seja o princípio da segurança jurídica ou o próprio princípio da separação de poderes –, qualquer ponderação com o intuito de verificar se a justiça material deverá orientar uma dada solução terá de ser feita em concreto, à luz de todas as propriedades relevantes do caso, sem fazer tábua rasa das exigências que decorram do regime processual aplicável (neste sentido, cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de… , cit., p. 255). A questão a que, também deste ponto de vista, importa responder não é, por isso, diferente daquela que acima ficou já enunciada: sob incidência da norma que constitui o objeto do presente recurso, de acordo com a qual a não impugnação judicial do ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual impede a impugnação judicial da decisão final de liquidação do imposto com funda- mento em vícios daquele, aos contribuintes é negada a faculdade de impugnar contenciosamente os atos da Administração Tributária e Aduaneira que possam violar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos? Tendo em conta as várias possibilidades impugnatórias de que o contribuinte poderia ter lançado mão no caso sub judice – embora o não tenha feito –, a resposta é, conforme se viu já, negativa.
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