TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

376 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo é, afinal, aquela que é ali tida por mais consonante com a natureza autónoma do ato pressuposto – no caso sub judicio , aquele que aprecia o pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual. Constatação que, não deixando de contribuir para um melhor enqua- dramento da norma sob sindicância, não dispensa obviamente a verificação autónoma da respetiva constitu- cionalidade, em especial no confronto com os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da justiça, expres- samente invocados pelo tribunal recorrido para fundamentar a recusa da sua aplicação ao caso sub judicio . 14. De acordo com o juízo formulado pelo tribunal a quo, a norma recusada aplicar – isto é, a norma constante do artigo 54.º do CPPT, na interpretação segundo a qual a não impugnação autónoma do ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual em Portugal impede a impugnação judicial da decisão final de liquidação do imposto com fundamento em vícios próprios daquele –, na medida em que permite a consolidação na ordem jurídica de atos que prejudicam gravemente o con- tribuinte, é contrária ao princípio constitucional da tutela judicial efetiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição. O problema de saber em que condições ou sob que pressupostos deverá poder concluir-se por uma lesão do princípio da tutela jurisdicional efetiva está longe de ser novo na jurisprudência constitucional. Na síntese formulada no Acórdão n.º 440/94, pode dizer-se que o âmbito normativo do direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, implicando a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, se ancora em quatro diferentes dimensões. São elas: « (a) o direito de ação no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional; (b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada; (c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos pré-estabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa; (d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas». No caso em presença, é à primeira das referidas dimensões – o direito de ação enquanto direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional – que se refere o essencial da argumentação subjacente ao juízo formulado pelo tribunal a quo. É essa argumentação que não podemos acompanhar. Tendo por certo que os atos administrativos relativos ao reconhecimento do estatuto de residente não habitual consubstanciam um ato meramente pressuposto dos atos de liquidação do imposto – inscrevendo- -se cada um deles no âmbito de um procedimento administrativo-tributário próprio e autónomo –, o que importa determinar, do ponto de vista do direito de ação, é se ao contribuinte ora recorrido foi conferida efetiva possibilidade de reação contenciosa contra o ato que indeferiu o pedido de reconhecimento do esta- tuto de residente não habitual em Portugal – isto é, se, relativamente àquele ato, lhe foi assegurada uma tutela jurisdicional efetiva. Considerados os meios através dos quais o ordenamento jurídico faculta ao destinatário a possibilidade de reagir judicialmente contra o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual, a resposta é indubitavelmente afirmativa. Uma vez que a decisão que incidiu sobre o pedido de reconhecimento consubstancia um ato adminis- trativo com repercussões na esfera jurídica do interessado, a mesma é passível de impugnação contenciosa imediata, nos termos do disposto no artigo 95.º, n.º 1, da LGT. Na ausência de uma regra específica, a impugnação judicial dos atos relativos ao reconhecimento do estatuto de residente não habitual encontra-se sujeita aos prazos previstos para a impugnação de atos admi- nistrativos em geral – isto é, aqueles que constam do artigo 58.º do CPTA. Assim, se estiverem em causa atos nulos, a impugnação pode ter lugar a todo o tempo (cfr. 1.ª parte do n.º 1); se estiverem em causa atos

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