TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

373 acórdão n.º 718/17 Tais possibilidades refletem-se diretamente na conformação do procedimento tributário, que mais não é do que um procedimento administrativo especial. 11. No que ao procedimento tributário para reconhecimento do estatuto do residente não habitual diz concretamente respeito, não parece estar em causa um procedimento complexo – no âmbito do qual se possa dizer que o ato de reconhecimento daquele estatuto constitui um mero ato preparatório do procedimento de liquidação do imposto –, mas antes dois procedimentos tributários autónomos. É essa a conclusão para que aponta o regime fiscal para o residente não habitual, instituído pelo Decreto- -Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, que aditou os n. os 6 a 9 ao artigo 16.º do Código do IRS. De acordo com o regime que resultou desse aditamento, na versão anterior às modificações subsequen- temente introduzidas pela Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e aplicável ao caso dos presentes autos, verificado o preenchimento dos requisitos estabelecidos no n.º 6 do artigo 16.º do Código do IRS e solicitada a inscri- ção dessa qualidade no registo de contribuintes da Direção-Geral dos Impostos (cfr. n.º 7), qualquer sujeito passivo pode obter o estatuto de residente não habitual, alcançando, por essa via, determinados benefícios fiscais, que àquele estatuto se encontram associados. Benefícios que se consubstanciam, desde logo, na tri- butação à taxa especial de 20%, a que alude o n.º 6 do artigo 72.º do Código do IRS, dos rendimentos das categorias A e B provenientes das atividades de elevado valor acrescentado, com caráter científico, artístico ou técnico, elencadas na Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, bem como na aplicação aos rendimentos da categoria H do mecanismo de eliminação da dupla tributação jurídica internacional contemplado no n.º 5 do artigo 81.º do mesmo diploma legal. No caso de o pedido ser deferido – isto é, na hipótese de o sujeito passivo vir a ser considerado residente não habitual –, o mesmo adquire o direito a ser tributado como tal no período de 10 anos consecutivos, desde que em cada um desses 10 anos seja considerado residente para efeitos de IRS (cfr. artigo 16.º, n. os 7 e 8, do Código do IRS, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, com correspondência nos n. os 7 e 9.º do referido artigo 16.º, na redação resultante da Lei n.º 20/2012, de 14 de maio, e atualmente em vigor). Do ponto de vista da autonomia do procedimento para reconhecimento do estatuto de residente não habitual relativamente ao procedimento de liquidação do imposto, o significado do deferimento do pedido não é despiciendo: em caso de reconhecimento daquele estatuto, o contribuinte adquire, no âmbito daquele procedimento, o direito a ser tributado como residente não habitual no período de 10 anos consecutivos, o que, perante a anualidade do procedimento de liquidação do imposto sobre os rendimentos singulares, não deixa de ser revelador da autonomia existente entre um e outro. Do regime legal que acaba de expor-se parece, assim, extrair-se com segurança que o ato de deferimento/ indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto do residente não habitual não integra, como ato preparatório, mesmo que destacável, o procedimento de liquidação do correspondente imposto – isto é, o procedimento tributário comum; antes constitui um verdadeiro ato tributário autónomo, “cuja ligação aos atos de liquidação de impostos não resulta de um pretenso caráter preparatório relativamente a estes, mas do facto de constitu[ir] um ato pressuposto, de modo que a liquidação dos impostos objeto do benefício fiscal não pode fazer-se sem ter em conta o correspondente ato beneficiador positivo, negativo ou extintivo” (cfr. José Casalta Nabais, “A impugnação unitária do ato tributário”, in Cadernos de Justiça Tributária , n.º 11, janeiro-março, 2016, pp. 18 e 19, ainda que a propósito dos procedimentos de reconhecimento e extinção dos benefícios fiscais). A relação entre os dois atos reside apenas na dependência que intercede entre o efeito produzido – o desagravamento do imposto – e a circunstância que lhe dá causa – o reconhecimento administrativo daquele estatuto –, não sendo tal conclusão, de resto, contrariada pelo disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei Geral Tributária (doravante, «LGT»). Com efeito, depois de estabelecer que “[o] procedimento tributário compreende toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários”, o n.º 1 do artigo 54.º da LGT elenca, ainda que de forma não

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