TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, da interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que, «qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imedia- tamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles». Apesar de se inscrever no mesmo âmbito problemático, a dimensão interpretativa julgada inconstitucio- nal através do Acórdão n.º 410/15 não coincide, porém, nem formal nem materialmente, com aquela que agora cumpre sindicar. Conforme do mesmo resulta, o Acórdão n.º 410/15 foi proferido na sequência de um recurso, inter- posto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de uma decisão proferida pelo Tribunal Arbitral em Matéria Tributária, na parte em que, interpretando e aplicando o artigo 54.º do CPPT, qualificara como um ónus, e não como uma faculdade, a possibilidade de o contribuinte impugnar autonomamente os atos considerados imediatamente lesivos dos seus direitos. Tendo considerado que o ato de cessação do benefício fiscal ali em causa tinha em natureza interlocu- tória – isto é, que se inseria «verdadeiramente no âmbito do procedimento administrativo visando a prática do ato tributário final, a liquidação do imposto» –, o Tribunal, no referido Acórdão, entendeu que «o efeito preclusivo da não impugnação do referido ato relativamente à impugnação do ato de liquidação tributária, inviabilizando a invocação nesta de vícios daquele outro», era incompatível com o «princípio da tutela judi- cial efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP». Tanto a dimensão normativa julgada inconstitucional no Acórdão n.º 410/15, como o juízo subjacente a tal julgamento, assentam, pois, no pressuposto segundo o qual o ato cuja não impugnação faz precludir a possibilidade de invocação dos respetivos vícios no âmbito da impugnação judicial da decisão final de liquidação do imposto é um ato interlocutório, inserido, como tal, no próprio procedimento tributário que culmina naquela decisão. Tal qualificação – que procede, de resto, do plano estritamente infraconstitucional – não integra, con- tudo, a proposição normativa que constitui o objeto do presente recurso, nem constitui, conforme seguida- mente se verá, um seu pressuposto necessário. 10. Para melhor caracterizar o ato através do qual é reconhecido (ou negado o reconhecimento) do estatuto fiscal de residente não habitual – e, em particular, a sua relação procedimental com a liquidação do imposto respetivo –, há um enquadramento geral a que é conveniente proceder-se. Conforme é sabido, é relativamente comum, no ordenamento jurídico, a existência de procedimentos administrativos organizados de uma forma “escalonada” ou “faseada”, no âmbito dos quais se autonomizam, ainda antes de terminado o procedimento, “atos prévios” e “decisões parciais”. Trata-se de procedimentos que servem para decidir questões de elevada complexidade, «quer pelo número de destinatários (procedimentos de massa), quer pelo caráter duradouro das relações em causa, quer ainda pelo tecnicismo da decisão» (cfr. Vasco Pereira da Silva, Em busca do ato administrativo perdido, Coimbra: Almedina, 1998, p. 462; Filipa Urbano Calvão, Os atos precários e os atos provisórios no direito administrativo, Braga: UCP, 1998, pp. 45 e seguintes). A este nível, é possível identificar diversas hipóteses procedimentais. É possível, desde logo, identificar atos praticados no quadro de procedimentos simples, sem qualquer relação com outros atos ou procedimentos administrativos. É possível, igualmente, identificar atos pratica- dos ao longo do procedimento que definem, ainda que parcialmente, a situação jurídica dos interessados, determinando o direito aplicável a determinada questão ou a determinado aspeto de uma questão, em termos que já não podem ser objeto de reapreciação em momento ulterior do procedimento (cfr. Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 4.ª edição, Coimbra: Almedina, 2017, p. 190). E é possível ainda encontrar atos praticados no âmbito de procedimentos administrativos distintos, mas que se encon- tram relacionados entre si, designadamente por um deles constituir um pressuposto de direito para a emissão do outro.

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