TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL consubstanciando, por isso, uma exceção àquele princípio. E que, à luz do direito infraconstitucional apli- cável, tal decisão deveria ter sido autonomamente impugnada para que a legalidade da liquidação objeto do pedido de pronúncia pudesse ser apreciada com base no vício que lhe era imputado. Entendendo, contudo, que tal solução, por precludir a possibilidade de apreciação «da legalidade da decisão de indeferimento do pedido de inclusão [do ora recorrido] no regime dos residentes não habituais», que se havia materializado «na liquidação do IRS do ano de 2010», era incompatível com os princípios dos princípios da tutela judicial efetiva e da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o tribunal a quo recusou a aplicação do artigo 54.º do CPPT, no segmento em que considerou dele resultar que «o reque- rente que não impugnou autonomamente o ato de indeferimento de inscrição como não residente habitual em Portugal (…) deixa de poder impugnar a liquidação do IRS com fundamento em vícios daquele ato». A própria fundamentação seguida pelo tribunal a quo revela, assim, que a interpretação normativa, extraída do artigo 54.º do CPP, em cuja desaplicação reside a ratio decidendi do pronunciamento recorrido é mais restrita do que aquela que a enunciação constante da fórmula decisória poderia fazer supor. De acordo com a caracterização do critério decisório tido por incompatível com os princípios da tutela judicial efetiva e da jus- tiça, consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), trata-se, na realidade, do artigo 54.º do CPPT, quando interpretado no sentido de que a não impugnação autónoma do ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual em Portugal impede a impugnação judicial da decisão final de liquidação do imposto com fundamento em vícios próprios daquele. É essa, portanto, a dimensão normativa que cumpre seguidamente confrontar com a Constituição. 7. Antes, porém, de prosseguir na apreciação do mérito da causa, um outro aspeto relativo ao objeto do recurso importa esclarecer ainda. Decorre das respetivas alegações que a ora recorrente, para além de contestar o juízo com base no qual o tribunal a quo concluiu pela inconstitucionalidade da asserção cuja aplicação foi recusada no caso sub judice , pretende ver reconhecida por este Tribunal a inconstitucionalidade da solução que, em consequência dessa recusa, acabou por ser sufragada na decisão recorrida. Afirma-o, aliás, de forma expressa. Na referida peça processual, a recorrente conclui a exposição dos seus argumentos, pedindo a este Tribu- nal que julgue inconstitucional «a norma do 54.º, n.º 1, 1.ª parte do CPPT (…), por violação dos princípios da tutela judicial efetiva e da justiça (artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), quando interpretada no sentido de que a referência à impugnação de atos imediatamente lesivos tem natureza de faculdade e não de um verda- deiro ónus que, quando não acionado no prazo legalmente estipulado, faz precludir o direito subjetivo dos sujeitos passivos de discutir um ato administrativo-tributário que se sedimentou na ordem jurídica» Tal questão não integra, porém, o objeto do presente recurso de constitucionalidade, razão pela qual não poderá ser conhecida. Com efeito, o recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual “[c]abe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais” “[q]ue recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade”. A norma cuja aplicação foi recusada pelo tribunal recorrido – e cuja apreciação foi por isso submetida a este Tribunal – é, conforme decorre do que ficou já exposto, de sentido inverso àquela que, de acordo com a pretensão expressa nas alegações, a recorrente pretende ver complementarmente sindicada. Apesar de sobre ambas incidirem as alegações apresentadas – já que nelas se sustenta tanto a não incons- titucionalidade da asserção recusada aplicar pelo tribunal arbitral como a inconstitucionalidade da norma que, em consequência dessa recusa, foi efetivamente aplicada na dirimição do litígio –, apenas a primeira integra, conforme se viu, o objeto do presente recurso, tal como definido no respetivo requerimento de interposição.
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