TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
368 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL M. Interpretar o artigo 54.º do CPPT no sentido de que todos os atos interlocutórios lesivos e todos aqueles que constassem de norma expressa como autonomamente impugnáveis teriam de ser impugnados de forma autónoma – sob pena de preclusão da invocação dos respetivos vícios na impugnação final – seria equivalente a desfigurar uma garantia conferida de forma evidente pela lei. – a possibilidade de impugnação autónoma –, transformando-a num ónus de impugnação fracionada, incerto e inequivocamente penalizador dos particulares. N. Em suma, numa interpretação do artigo 54.º do CPPT conforme à Constituição, deverá entender-se que a impugnação autónoma de atos lesivos constitui um direito (uma faculdade) e não uma obrigação (um ónus) do contribuinte. O. A atribuição de um efeito preclusivo da não impugnação do ato de indeferimento do pedido de inscrição no regime fiscal dos não residentes habituais relativamente à impugnação do ato de liquidação tributária (liqui- dação de IRS de 2010), inviabilizando deste modo a invocação nesta de vícios daquele outro, não é compa- tível com os direitos assegurados pelo principio da tutela efetiva e pelo principio da justiça, consagrados nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP. P. A posição sustentada pela AT relativa à interpretação do artigo 54.º do CPPT é não conforme à Constitui- ção, em particular com os princípios da tutela efetiva e da justiça – invocados pela AT para fundamentar o presente recurso – uma vez que restringe, sem que tal esteja expressamente previsto na lei, o direito de acesso dos contribuintes à justiça tributária, no caso concreto, o direito do Recorrido de impugnar a sua (ilegal) liquidação do IRS de 2010, sem que tivesse previamente impugnado autonomamente o ato de indeferimento de inscrição como não residente habitual em Portugal, para o ano de 2010. Q. O Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 410/2015, processo n.º 592/14, 1.ª Secção, já se pronunciou sobre esta matéria tendo julgado “inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qua1ficando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impug- nação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa”. R. Face ao exposto, dúvidas não restam de que a interpretação e aplicação feita pelo Tribunal Arbitral Tributário do artigo 54.º do CPPT, considerando a impugnação autónoma do ato interlocutório um direito (faculdade) e não uma obrigação (ónus) atribuído ao sujeito passivo, é conforme com o princípio constitucional da tutela judicial efetiva e com o princípio da justiça consagrados nos artigos 20.º e 268.º n.º 4 da CRP». Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação A. Da delimitação do objeto do recurso 6. Tal como definido no respetivo requerimento de interposição, o objeto do recurso nos presentes autos interposto é integrado pelo artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante «CPPT»), quando interpretado no sentido de «impedir que a impugnação do ato de liquidação do imposto se funde em vícios próprios do ato de cessação do benefício fiscal». Apesar de ter sido essa a formulação de que se socorreu o tribunal a quo para explicitar, no dispositivo da decisão recorrida, a interpretação do artigo 54.º do CPPT cuja aplicação foi recusada, tanto a configuração do litígio submetido à apreciação daquele tribunal, como a fundamentação ali consonantemente seguida, revelam que tal recusa incidiu sobre uma dimensão mais circunscrita daquele enunciado normativo, obri- gando à consequente delimitação do objeto do recurso.
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