TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

353 acórdão n.º 717/17 apresenta-se, em matéria de igualdade fiscal, como o tertium comparationis , isto é, o critério que há de servir de base à comparação que é requerida. O princípio da capacidade contributiva opera, assim, por um lado, como condição ou pressuposto do ato tributário, no sentido em que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; por outro, intervém como critério ou parâmetro da tributação, na medida em que impõe que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” ( ability to pay ) (neste sentido, por todos, cfr. Acórdão n.º 197/13).  Deste ponto de vista, pode dizer-se que a capacidade contri- butiva constitui o pressuposto, o limite e o critério da tributação (neste sentido, cfr. Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Coimbra: Coimbra Editora, 2015, pp. 295-296). 17. Assim sintetizado o essencial do respetivo conteúdo, bem se vê que os princípios da capacidade contributiva e da igualdade fiscal operam essencialmente na complexa arquitetura das normas de incidência tributária, aí vinculando o legislador à consagração de soluções não dissonantes da regra que impõe que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua capacidade económica (cfr. Acórdão n.º 139/16). Os benefícios fiscais situam-se, todavia, num plano diverso e, conforme assinalado já, encontram a sua justificação numa distinta ordem de razões: trata-se de «[…] medidas de caráter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem», tais como «[…] as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria coletável e à coleta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais [com idêntica finalidade]» (cfr. artigo 2.º, n.º 1, e n.º 2, do EBF) ( idem ). As normas que estabelecem benefícios fiscais são, por isso, recorrentemente caracterizadas como normas de caráter excecional e antissistemático por definição, que, servindo à prossecução de interesses públicos constitucionalmente relevantes, de caráter político, económico, social ou cultural, se encontram em «tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam enquanto padrão de repartição do imposto» (cfr. Sérgio Vasques, Manual de… , cit., p. 365, e, no mesmo sentido, Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal , Vol. I, 11.ª edição com adenda, Lisboa: Rei dos Livros, 2000, pp. 323 a 326). Neste contexto, a posição de princípio de que aqui se deverá partir não é aquela em que se coloca a recorrente. É, ao invés, a posição que, justamente no âmbito das normas que definem as exceções em matéria de incidência para efeitos de determinação dos factos tributários, vem sendo reiteradamente assumida na jurisprudência deste Tribunal. Tal posição, conforme se extrai dos Acórdãos n.º 695/15 e n.º 275/16, pode sintetizar-se nos seguintes termos: «Na expressão de Saldanha Sanches, as normas de isenção, enquanto exceção à regra geral da incidência do correspondente imposto, vivem “numa permanente relação de tensão com o princípio da distribuição dos encar- gos tributários segundo o princípio da capacidade contributiva”, o que as vincula a “uma especial legitimação”: “a obtenção de um certo objetivo económico de especial importância”; daí que a função económico-social dos benefícios fiscais obrigue a um “cálculo permanente da receita perdida (da despesa fiscal)”, na medida em que “um benefício fiscal é sempre o benefício fiscal para alguns contribuintes, levando à perda de receitas (redução da base fiscal) que leva à maior oneração de outros contribuintes. A criação de um benefício é sempre uma decisão sobre a distribuição dos encargos de financiamento do Estado” ( Manual de Direito Fiscal , Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, pp. 457 e 458). O que significa, como conclui Nuno Sá Gomes, que “um benefício fiscal, maxime uma isenção, nunca é um favor ou uma liberalidade fiscal, logo ao nível normativo, sob pena de inconstitucionalidade, pois tem que ter por fundamento um interesse público constitucionalmente relevante, superior ao correspondente interesse tutelado pela tributação” ( Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Lisboa, 1991, pp. 62-63).

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