TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017

351 acórdão n.º 717/17 Suplementares e Suprimentos”, in Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Direito das Sociedades, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 247; Paulo de Tarso Domingues, “As diferentes formas de financiamento pelos sócios e a transmissibilidade autónoma dos créditos respetivos”, in Luís Couto Gonçalves et. al. (coord.), Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Hörster, Coimbra: Almedina, 2012, pp. 779 e seguintes). Uma vez aqui chegados, uma conclusão crê-se ter ficado já suficientemente evidente: apesar de a aqui- sição de partes de capital e a realização de prestações suplementares constituírem meios de contribuição dos sócios para o reforço do património da sociedade – no caso das SGPS, do património das empresas partici- padas –, correspondem-lhe obrigações intrinsecamente distintas, consistindo a mais relevante especificidade evidenciada pelas segundas no facto de o valor a restituir pela respetiva realização, quando tal restituição deva ter lugar, não ser nunca superior ao valor nominal das mesmas. 15. Apesar de jurídico-substancialmente diferenciáveis, sustenta a recorrente que “partes de capital” e “prestações suplementares” são equivalentes no plano contabilístico, no sentido em que estas integram, tal como o capital social, o património próprio da sociedade. Não estando aqui em causa, conforme se assinalou já, decidir qual a melhor interpretação do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, o argumento articulado pela recorrente apenas poderá relevar no plano de análise em que nos situamos se e na medida em que de tal invocada equivalência pretenda extrair-se a razão pela qual os encargos financeiros com umas e outras suportados não deverão poder relevar em termos distintos para a determinação do lucro tributável, sob pena de violação dos princípios da tributação pelo lucro real, da capa- cidade contributiva, da neutralidade e da igualdade fiscal. A ser assim, à perspetiva seguida pela recorrente duas objeções podem, desde já, levantar-se. A primeira prende-se com o facto de o lucro tributável das empresas, apesar de ter por base o respetivo resultado contabilístico, a este se não reconduzir. O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas não segue, com efeito, o modelo da dependência total do direito fiscal face ao direito da contabilidade, pelo que o lucro tributável é apurado por referência ao resultado contabilístico, mas com as correções a que este se encontra sujeito por força das disposições que anulam a relevância de determinados rendimentos ou gastos contabilísticos no plano do apuramento do lucro fiscal (cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 526 e seguintes). Trata-se das correções relativas às variações patrimoniais positivas e negativas, em cujo âmbito justamente se inscrevem as normas que consagram benefícios fiscais. A razão de ser da não coincidência entre o lucro fiscal e o lucro contabilístico é facilmente explicável: conforme nota José Casalta Nabais, «enquanto o lucro contabilístico é determinado com base em princípios, normas ou regras do (…) direito contabilístico e tem por destinatários os utentes das demonstrações finan- ceiras das empresas (isto é, os investidores, os trabalhadores, os financiadores, os fornecedores e os outros credores comerciais, os clientes, o Governo e seis departamentos e o público em geral), o lucro fiscal guia-se pelos princípios e normas do direito fiscal e tem por destinatário sobretudo o Estado, mais precisamente a administração tributária» ( idem , pp. 526-527). É por isso que, ao contrário do que sucede com os critérios de apuramento do lucro contabilístico, o regime do apuramento do lucro fiscal permite acomodar e dar expressão a preocupações de outra ordem, relacionadas, as mais das vezes, com a promoção da atividade económica, designadamente através do reforço do tecido organizacional das empresas e do incremento da respetiva sustentabilidade. E é por isso também que, no conjunto dos elementos que integram aquele regime, têm pleno cabimento as normas que, cindindo o lucro contabilístico do lucro fiscal, isentam de tributação determinados ganhos ou tornam dedutíveis certos encargos financeiros, com o intuito de permitir a reali- zação de outros interesses, diversos da arrecadação de receita – como a promoção do emprego, das exporta- ções e do investimento –, considerados, num determinado momento histórico, de superlativa relevância no âmbito da política económica e do modelo de desenvolvimento social que só ao legislador democraticamente eleito cumpre delinear.

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