TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 100.º volume \ 2017
329 acórdão n.º 672/17 Tal conclusão – que se situa já no âmbito da ponderação para que aponta o princípio a da proporciona- lidade em sentido estrito ou da justa medida – repousa, conforme decorre da fundamentação constante do aludido acórdão, na seguinte ordem de razões: Nos casos em que existe uma absolvição da primeira instância revogada por decisão condenatória em pena de prisão da segunda instância, não é assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das con- sequências jurídicas do crime, na medida em que estas só na segunda instância são fixadas. Nestes casos, o duplo grau de jurisdição, apesar de facultar ao arguido a possibilidade de contra-alegar no âmbito do recurso interposto da sentença absolutória, não lhe assegura a possibilidade de criticar o processo decisório subja- cente à escolha e à determinação da medida concreta da pena de prisão aplicada, nem de beneficiar da rea- preciação dos respetivos fundamentos, o que torna o juízo condenatório proferido pela Relação totalmente insindicável nessa parte. Tratando-se de uma condenação em pena de prisão efetiva, em que está em causa o «valor da liberdade», a «ausência absoluta de controlo sobre o processo decisório de escolha e determinação da medida da pena» implica que a «parte da decisão com maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido fique à margem do recurso, sendo aceite como livre de qualquer controlo». Em tais circunstâncias – concluiu-se no referido aresto –, a compressão do conteúdo do direito ao recurso originada pela ablação da faculdade de impugnar as consequências jurídicas do crime impostas na primeira decisão condenatória proferida nos autos não pode deixar de representar um «sacrifício dos direitos fundamentais do arguido» em medida, extensão ou grau para a justificação do qual o legítimo propósito de racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça não constitui já fundamento bastante. 12. No caso presente, não está em causa a condenação do arguido numa qualquer pena privativa da liberdade, mas sim a sua condenação em pena de multa alternativa – isto é, na pena pecuniária que, a título principal, integra a estatuição inserta no tipo legal de crime, e cuja função político-criminal é a de constituir uma alternativa à pena de prisão no âmbito da pequena e média criminalidade. De acordo com o regime previsto no Código Penal, a pena de multa alternativa admite diferentes modalidades de cumprimento, todas elas vocacionadas para tornar tão residual quanto o consentido pela preservação do seu caráter de sanção penal a possibilidade de privação da liberdade. Assim, para além da possibilidade de pagamento diferido ou a prestações (cfr. artigo 47.º, n.º 3), o con- denado tem a faculdade de requer a substituição, total ou parcial, da pena de multa por prestação de dias de trabalho a favor da comunidade (cfr. artigo 48.º, n.º 1). Apenas se o não fizer, o não pagamento voluntário ou coercivo da pena de multa dará lugar ao cumprimento de prisão subsidiária pelo tempo correspondente ao número de dias fixado, reduzido a dois terços (cfr. artigo 49.º, n.º 1), consequência que, ainda assim, não é sequer automática: para além da faculdade de evitar, a todo o tempo a execução, total ou parcial, da pri- são subsidiária através do pagamento, no todo ou em parte, da multa a que foi condenado (cfr. artigo 49.º, n.º 2), o condenado conta ainda com a possibilidade de obter a suspensão da execução da prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, provando que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável (cfr. artigo 49.º, n.º 3). Se, mesmo perante as alternativas à execução da prisão subsidiária, houver lugar ao respetivo cumpri- mento, importará não perder, em qualquer caso, de vista que se trata, não de uma pena de substituição, nem tão-pouco de uma pena de prisão imposta a título principal, mas tão-só de uma sanção penal de constrangi- mento (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, Aequitas Editorial Notícias, 1993, p. 147), que apresenta a particularidade única de poder cessar a qualquer momento através do pagamento da quantia correspondente à pena de multa aplicada que persista por liquidar. Do regime legal que acaba de descrever-se resulta, assim, que o risco de privação da liberdade implicado na solução nos presentes autos impugnada é, ao contrário do que sucede em caso de condenação em pena de prisão efetiva, residual e remoto. O que explica, desde logo, que, não obstante tratar-se igualmente aqui de uma situação de irrecorribilidade do acórdão condenatório da Relação que revoga uma decisão absolutória
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